Capítulo 1 – Sonhos






Há tempos eu venho ansioso por esse dia. Nos piores momentos era uma agonia incontrolável contar os minutos até que o hoje chegasse, achei que finalmente estaria livre de todo aquele tormento.





O dia chegou, acompanhado de um grande vazio. Mas estranhamente no meio de todo esse turbilhão de coisas na minha cabeça, eu estava sorrindo. 





Queria apenas mais alguns dias, ou algumas horas. Talvez apenas alguns minutos a mais bastassem.





A brisa fria e solitária se encontrou com a dor que guardei por todo esse tempo, e olhando para o céu agora, é meio difícil enxergar através das lágrimas. Mas quando as enxuguei, vi aquelas cores novamente. 





Cores que eu pensei ter esquecido completamente, mas agora consigo lembrar claramente.





São tão vibrantes, mesmo desbotadas pelo tempo. São tão nostálgicas que apertavam meu coração, mas ao mesmo traziam consigo um calor imensurável.





São como





Cores de uma antiga aquarela









Não tinha dúvidas de que aquele era um castigo injusto, eu só desenhei a careca do professor no quadro, se riram é porque foi engraçado.





Mas se eu reclamasse só conseguiria mais tempo de castigo, e ninguém merece ficar mais duas horas aprendendo sobre triângulos. Quer dizer, são triângulos, o que eles têm de mais?





Enquanto enfiava meus cadernos na bolsa, olhei ao redor, na sala só restava eu e mais uma garota de cabelos castanhos. Eu lembro dela, acho que era a menina que tirou dez nas últimas provas. Por que alguém como ela ficaria até mais tarde?





Apesar de ter prometido para os outros que iria assim que o castigo terminasse, a curiosidade me levou até a frente da menina, que parecia muito distraída jogando Pokémon em um gameboy color, o que me surpreendeu.





— Ei, esse não é o Pokémon Blue? — Perguntei, entusiasmado, e ela pareceu se assustar o bastante para deixar o gameboy cair no chão. — Ah, desculpa.





O apanho do chão e estendo para ela, que mesmo receosa, pega de minha mão e guarda na bolsa. Não parecia muito disposta a começar a falar, então continuei.





— Por que você ainda tá por aqui? Pintou alguma careca brilhante no quadro também? — Pergunto sorrindo, e ela balançou a cabeça sinalizando um “Não”.





— Eu fico até mais tarde porque gosto. — Sua voz saiu tão baixa que precisei de certo esforço para ouvir.





— Espera, você escolheu ficar aqui então? — Ela balançou a cabeça novamente, dessa vez para um “sim". — Que esquisita. — Não pude conter a risada, mas parei rápido por ela parecer envergonhada. — Meu nome é Satoshi, mas pode me chamar de Ash. Qual o seu nome?





— Violet... — Seu tom de voz estava ainda mais baixo que antes, quase não consegui ouvir. Ela não retribuiu o aperto de mão, ao invés disso acenou rapidamente com a mão esquerda.





— Violet né? Quer vir jogar Pokémon comigo e uns amigos? A gente vai se reunir no nosso esconderijo, vai ser legal se tiver mais um.





— Não sei, eu preciso voltar pra casa cedo. — Ela escondeu seu rosto com as mechas de cabelo, não me dou muito bem lidando com pessoas tímidas.





— A gente não vai ficar até tarde, promessa de treinador pra treinadora. — Com um joinha, uso a outra mão para erguer meu gameboy do bolso da mochila. — Se precisar posso acompanhar você até em casa também, acho que minha mãe não vai ligar se eu chegar atrasado. 





— Tá bom, se não demorar... — Talvez tenha sido impressão, mas acho que vi um rápido sorriso. Não consegui observar muito porque acabou escondendo seu rosto atrás da mochila. Ela é estranha, mas parece legal.





— Então vamos, eu tenho que te apresentar pra eles, aposto que vão adorar um membro novo.





Não havia nem mesmo uma nuvem cobrindo o céu azul, estava ensolarado, quente até mesmo para o normal aqui. Mas eu gosto de dias quentes, são os melhores dias pra brincar já que ninguém precisa voltar cedo pra casa por causa de uma chuva repentina ou só pelo perigo de relâmpagos. As pessoas daqui têm um medo estranho de relâmpagos, até parece que eles iriam me acertar tendo tanto lugar pra cair.





Violet andava ao meu lado, toda vez que eu a olhava ela virava o rosto, será que tinha algo na minha cara?





Tateei meu rosto, mas sem resultados, talvez eu devesse olhar em algum espelho ou a algo do tipo, a última vez que fizeram isso tinha uma grande espinha na minha testa. E eu não gosto de espinhas, elas são vermelhas e... doem.





— Ei, qual inicial você pegou? — Perguntei pra tentar distrair ela de seja lá em que estivesse pensando.





— Blasty- — Ela pigarreou, e sua bochecha ficou um pouco avermelhada. — Squirtle.





— Você também coloca apelidos em seu Pokémon? Cara, é incrível, faz parecer como se aquela fosse mesmo sua jornada né? — Meu entusiasmo parece tê-la contagiado, porque ela sorri e acena a cabeça positivamente várias vezes. — Não sei porque o pessoal insiste em não colocar nome, prefiro assistir o desenho se for assim.





— Qual... inicial você pegou?





— Peguei o charmander, claro! — Ligo o gameboy e espero o jogo carregar no meu save . Após isso, mostro ele para Violet, que já tinha evoluído pra Charmeleon. — Ele não é bonito? O nome que eu coloquei é Flame, irado né?





— Uau! — Ela parecia maravilhada, acho que não conversava muito com as outras pessoas sobre seus gostos.





— Me mostra o seu! — Ela pareceu receosa, mas ligou seu gameboy e o mostrou.





— CARAMBA, UM BLASTOISE NÍVEL 80? — Pude ver um sorriso envergonhado aparecer no canto de sua boca, apesar do leve susto que ela aparência ter levado.





— É que eu jogo muito.





— Eu também, mas ninguém tá nesse nível ainda. Quer dizer, esse gameboy chegou quando por aqui? Semana passada?





— Minha mãe trouxe pra mim de outra cidade, eles já estão a venda tem alguns meses, mas demorou pra chegar aqui.





— Que inveja... — Morar em uma cidade no interior é ruim por causa dessas coisas. — Espera, isso quer dizer que você sabe tudo sobre o jogo?





— Não tudo, mas eu tenho uma revista lá em casa que diz sobre alguns lendários e Pokémon incomuns.





— Eles fizeram revista sobre esse jogo?





— Sim, algumas falando sobre curiosidade e essas coisas.





— Cara, você tem que me mostrar depois. Sempre me zoam por eu demorar pra derrotar os líderes, agora vou dar o troco. — Sorrio, determinado.





Continuamos conversando enquanto andávamos pela estrada de terra, ela se empolgação cada vez mais e até começou a falar no mesmo ritmo que o meu. Achei que ela era do tipo tímida e tudo mais, mas parece que ela não é tão diferente de mim, só precisava de um empurrãozinho.





O tempo passou rápido como uma flecha, eu a guiei desviando da estrada e pegando uma pequena trilha que passava pela floresta, ela nem pareceu perceber. Logo chegamos, o acampamento feito por lençóis, corda e pedras, sustentado pelos galhos dos pequenos pinheiros estava firme como nunca, e todos estavam reunidos ali.





Assim que nos viram, ficaram calados encarando Violet, pareciam curiosos, ela ainda falava de forma tão empolgada que nem mesmo reparou que paramos ou pensou em olhar para frente.





— Quem é a novata? — Green perguntou, sentado em cima de um tronco cortado.





Foi então que Violet percebeu a presença dos demais e correu para as minhas costas, tentando se esconder dos olhares. Estranho, ela não parecia tímida a alguns minutos atrás.





— Pessoal, essa é a Violet, a nossa mais nova integrante do nosso grupo! — Gesticulo com os braços pra fazer do anúncio mais impactante.





— Essa não é aquela menina calada da sua sala? Sei não, parece meio chata. — Black reclamou, e recebeu uma cotovelada da menina ao lado. — Aí!





— Você não sabe quando ficar quieto, né Hilbert? — White sorriu para Violet após o ato. — Bem vinda, meu nome é Hilda, mas aqui me chamam de White.





— Ei Red, eu falei pra você não começar sem mim! — Praguejo, e  Red suspira deixando o console de lado.





— Você que demorou, todo mundo já começou. Eles só guardaram os consoles depois que ouviram você se aproximando.





— Quê? Isso é verdade?





White assobiou e Black desviou o olhar, Green tentou esconder ainda mais o console em suas costas, mas acabou caindo do tronco.





— Eu não joguei! — Yellow fala com convicção, de dentro do acampamento.





— Você é a única em que posso confiar, Yellow. — Estapeio minha própria cara.





— Ela precisa escolher um apelido, se vai se juntar ao nosso grupo. — Disse Green, se levantando com dificuldades. — Que tal deixar o nome dela? Já é uma cor mesmo.





— Ninguém nunca disse que precisava ser uma cor. — Red pontuou.





— Ninguém pediu sua opinião também, e olha você dando aí.





— Vai se ferrar! — Ele voltou a jogar depois de mostrar a língua, e Green riu.





— Por que não deixamos ela escolher? — White sugere.





— Parece uma boa. — Concordo animado, e a maioria voltou o olhar para Violet novamente, que ainda parecia envergonhada mas conseguiu sair das minhas costas.





— Pode ser Blue? — Sua pergunta foi quase inaudível.





— Seblu? O que raios isso deveria significar?  — Green indagou.





— Ela falou Seglu, idiota. — Red enfim pareceu decidir encarar Violet, e na mesma hora ele arregalou os olhos e pigarreou. — Hã... Meu nome é Red, a propósito.  Não Red, Red é o apelido, qu-





— Ah meu deus, só faltava essa. — Black praguejou. — É Dlu, seus surdos.





— Eu acho que ela falou Blue. — Eu já ia sugerir Poselu, mas a sugestão de Yellow fez mais sentido.





— É, foi Blue mesmo. — White confirmou, e desceu dos pneus empilhados nos quais estava sentada, e passou por mim, indo em direção a Blue.





— Bom, tem alguns idiotas por aqui, mas vai ser divertido ter uma nova menina. — Ela estende a mão, e apesar de hesitante, Blue devolve o aperto.





— Certo... — Subi na mesa de madeira que estava no centro, e me espreguicei. — Acho que  tá na hora de revermos nossos planos.





— A menina acabou de chegar. — Green protesta. — E a gente já fez isso semana passada.





— Você viu como é o pessoal mais velho, eles parecem esquecer do nada o que querem e começam a falar de, argh, trabalho e essas coisas. Temos que relembrar sempre pra ter certeza de que vai acontecer.





— Não acho que seja assim que funciona. — Yellow adverte, sincera como sempre.





— Eu concordo com o Ash.. — White volta para sua pilha de pneus e cruza os braços.





— Claro, você sempre concorda com o seu Ashzinho. — Green zombou, em um tom de deboche.





— O-o que você quer dizer com isso?





 Eu não entendo como eles fazem pra conseguir deixar a bochecha vermelha, será que tem alguma técnica?





— Dá pra irem logo com isso? Eu quero voltar a jogar. — Black reclama, e recebe um olhar desaprovador de Red.





— Você tá assustando a Violet, dá pra ser um pouco menos você?





— Vai meter essa mesmo? — Black suspira.





— Eu quero jogar tanto quanto vocês, mas juramos no nosso tronco de madeira do juramento que íamos fazer isso toda semana. — Aponto para o tronco onde Green estava sentado. — Já que você tá aí, então começa.





— Tá, tá. — Com uma tosse seca, ele desce do tronco e começa. — Eu vou guardar um monte de dinheiro, e aí vou dar um jeito de quintiplicar ele! Depois vou construir nossa própria mansão onde vai ter piscina, cinema, parques, videogames e comida. Tudo infinito. — Green coça o nariz enquanto fala, apesar de resistir ele sempre parecia gostar muito de falar dos sonhos dele.





— Certo, deixa que eu vou agora. — White parecia mais motivada, então toma a frente. — Vou ser designer e musicista, pra fazer nossas roupas e tocar músicas legais pra gente. Já até aprendi um pouco de costura e piano, mamãe diz que sou talentosa.





— Tenho certeza de que você vai fazer ótimas músicas. — Dou um joinha, e ela sorri.





— Eu vou ser o melhor em todos os esportes, mas principalmente futebol. Vou ser o melhor atacante do mundo e deixar a gente famoso, assim ninguém vai querer encher nosso saco. — O jeito sério em que Black fala dos seus sonhos sempre me deixa impressionado, é como se tivesse plena confiança de que iria conseguir.





— Eu quero ser veterinária pra poder ajudar meus pais com dinheiro, e odeio ver os bichinhos machucados também. Além disso vou poder cuidar dos abandonados na nossa mansão, aí a gente pode ter vários. — Yellow segue dizendo.





— Você pode pegar um dragão de komodo pra gente? Eles são tão legais. — Green indaga, animado.





— Vai depender de você, pelo que eu sei eles moram muito muito longe. — Yellow responde.





— Certo, minha vez. — Red se levanta e aumenta o volume de sua voz. — Não tenho certeza do que vou fazer,  mas por enquanto vou  só ser o melhor treinador Pokémon, e nas outras coisas que eu tentar também. 





— E eu vou ajudar todos vocês a completarem seus sonhos, depois vejo o que fazer. — Mesmo não tendo algo em mente agora, tenho certeza que se eu tentar um pouco de tudo uma hora vou descobrir.  Além disso parece divertido ajudar os outros.





— Beleza, sua vez Blue. — Red parecia ansioso pra vez dela, estranho, ele normalmente não se interessa tanta pelas pessoas que acaba de conhecer.





— Ah- — Ela desvia o olhar para o chão — Não sei...





— Qual é, deve ter algo que você queira. É só pensar, a gente não vai te julgar que nem os adultos.





— É que vocês parecem ter sonhos tão legais, e o meu é meio bobo.





— O único que pode dizer o quão legal é seu sonho é você. — Pego no ombro dela e sorrio, nossos olhos se encontram novamente. — Qualquer sonho pode ser grande, é só sonhar alto o bastante.





— E-eu quero escrever! — Ela fecha os olhos, parecia que já tinha lidado com opiniões negativas antes.





— Então escreva.





— Ela nem falou o que quer escrever. — Green reclamou.





— Ela falou que quer escrever, é o que importa. Tenho certeza que ela vai descobrir se não souber agora. — Ando até o tronco cortado, e todos se aproximam também. Blue, apesar de confusa, faz o mesmo.





Colocamos a mão sobre o tronco, uma por cima do outra, e começamos.





— Juramos pelo tronco mais sagrados dos troncos sagrados, que não vamos esquecer do que queremos de verdade. — As frases se embaralharam um pouco, principalmente porque agora tínhamos um membro novo que estava apenas tentando repetir o que ouvia, mas no fim deu certo. Levantamos as mãos ao mesmo tempo e gritamos para o céu, alto o bastante pra ter certeza que alcançasse até o espaço.





— Agora podemos jogar.





Foi tão divertido que nem vi o tempo passar, todos ficaram impressionados com o nível de Blue, e ela se enturmou bem rápido, apesar de não ainda não falar muito. Fiquei surpreso de não ver ela conversando com ninguém por todo esse tempo, é uma pessoa muito legal.





Já estava escurecendo, por algum motivo o céu desse cidade nessas horas sempre parecia ser uma mistura de várias cores, será que o céu é o mesmo em todos os lugares?





— Ash! — A voz de White próxima ao meu ouvido quase me fez ficar surdo.





— Não precisava gritar.





— Você que tava no mundo da lua, todos já foram menos ela. — White apontou para Blue, que estava sentada jogando dentro do acampamento. — Acho que tá esperando você.





— Ah é, eu disse que ia pra casa com ela. — Me levanto da pedra onde estava sentado, e começo a guardar as coisas na mochila. De repente minha visão parece escurecer um pouco, e fico meio tonto. Quase caio no chão, mas consegui me segurar firme.





— Tá tudo bem? — White se agachou preocupada, apenas sorri e balancei cabeça.





— Eu devo ter pensado muito na aula de matemática. — Apoio a mochila em um dos ombros e respiro fundo.





— Pff, até parece. — Ela ri, e estranhamente parece cobrir os olhos com o boné. — Hã... será que amanhã a gente podia, você sabe, sair pra algum lugar depois aula?





— Do que você tá falando? A gente sempre sai pra algum lugar. — Arqueei a sobrancelha.





— Mas dessa vez só nós dois. S-se você quiser, claro.





— Tudo bem então, mas-





— Beleza! — Assim que respondi, ela saiu correndo, é estranho não ver ela voltando com o Black, os dois sempre andam juntos.





Caminhei até Blue, que apenas ao notar minha sombra olhou para cima.





— Vamos?





Começamos a andar, eu me sentia meio estranho, como se algo estivesse errado. Será que o iogurte que roubei da geladeira dos professores tava vencido? Espero que não, seria difícil explicar essa.





— Se divertiu? — Perguntei pra Blue, que estava distraída.





— Sim, seus amigos são muito divertidos! — Ela sorri, parecia bem mais animada do que quando estava jogando sozinha na sala.  — Você tá meio pálido.





— Hã? — Passo a mão em minha testa, eu estava suando, mas e não era pouco. — Que esquisito. É raro, mas talvez seja um resfriado ou algo assim.





— Tem alguma coisa que eu possa fazer pra ajudar? — Blue entrou na frente, ela estava preocupada e procurava algo que pudesse ser útil em sua mochila.





— Não se preocupa, mamãe sempre dá um jeito de resolver. — Uso minha mão direita pra afagar a cabeça dela, acho que isso tranquiliza as pessoas.





— Tudo bem, ah, eu preciso ir por aqui!





A estrada de terra se dividiu em duas, aparentemente sua casa ficava do outro lado da cidade. Espero que ela não se atrase porque ficou tempo de mais.





— Foi mal, eu iria com você até lá mas preciso voltar pra casa. Não tô muito legal.





— Tudo bem, a gente se vê de novo amanhã. Espero que você melhore. — Ela sorri e acena, começando a andar para a direção contrária.





Minha respiração estava pesada, e meu corpo também. Normalmente eu iria correndo, mas mal estava conseguindo andar, e parecia só piorar quanto mais eu caminhava. A última vez que me senti desse jeito foi em um dia que minha pressão baixou, mas não passou nem perto disso.





Estava tão tonto que nem percebi o tempo passar, na verdade era como se não tivesse passado. Em um momento eu estava bem longe, e agora eu estava em frente da minha casa. Segurei a maçaneta, e ela pareceu fria, congelante.





Algo me dizia para não abrir, que não era a hora, que não era o lugar. Eu não entendia direito, tudo parecia girar e os sons estavam meio confusos. 





Girei a maçaneta.





A casa estava escura, não conseguia ver nada. Ao passar pela porta, as coisas pareciam ter diminuído. Não, eu que havia aumentado.





Liguei a luz.





Meu pai estava sentado no sofá, assistindo televisão. Que estranho, normalmente ele viria me receber na porta.





— Oi, pai! — Ele não responde, será que eu fiz algo ruim?





Despejei minha mochila em um canto, e olhei de um lado para o outro. A cozinha estava vazia, não deveria estar.





— Cadê a mamãe? 





— Ela tá aqui, não tá vendo? — No momento em que ele virou seu rosto, seus olhos não estavam lá. Apenas um grande vazio negro.





Me assustei e caí no chão.





Estava suando, suando muito.





Engatinhei para a frente, precisava ver minha mãe, ela tinha que estar ali. Ela sempre está.





Sempre





Uma silhueta negra estava estirada no chão, e ao lado dela, comprimidos espalhados.





— Mãe? MÃE! — Tento correr até ela, mas meu corpo não se move. 





O vazio no lugar dos olhos de meu pai começa a se espalhar, era assustador.





Quero sair daqui.





Socorro.





Alguém. 





Por favor. 





A casa começou a encolher, abracei meus joelhos e vi as paredes se aproximando cada vez mais, engolindo tudo que ficava em seu caminho.





Não demorou muito para não sobrar quase nenhum espaço, mas ela continuava se aproximando, até chegar em meu corpo.





Estava sufocando, senti que a qualquer momento iria ser esmagado, não só pelas paredes.





Quero sair daqui





Abri meus olhos e levantei da cama de uma vez só, não estava conseguindo respirar, estava zonzo.





De novo, por que isso sempre acontece?





Caminho cambaleando até a janela, segrando minha blusa com força. E então a abro, enfim conseguindo respirar e me acalmando. Ultimamente venho dando mais valor a respirar, não é toda vez que consigo tão bem.





Meus olhos demoraram pra se acostumar, mas não estava tão claro, o que ajudou bastante.





Olhei para o céu, e nuvens cinzas o cobriam completamente.





Estava nublado.


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