Capítulo II | Five










Depois de alguns perrengues, o grupo composto por Anne, Kai, Neil e Yuuta consegue alcançar a liberdade — o que não se pôde dizer o mesmo a respeito dos demais sequestrados.





Passado algum tempo, o que era para ser apenas um vínculo em comum para salvarem suas vidas se tornou um laço consolidado de amizade entre o quarteto, considerando também a dupla de esquisitos e o proclamado, porém falido, diretor.





AVISO

Para mais detalhes do que se trata este e futuros capítulos, por favor, direcione-se à seção Cinco, aqui, no topo ou no rodapé desta página.

O PAPO FOI DADO












ATO 1: (A) QUE PONTO CHEGAMOS?





O tão renomado e sediado nacionalmente restaurante Pé de Guaxinim, recanto escolhido por — dentre todos — um grupo particularmente chamativo quando o assunto era ser o alvo das atenções. Era para ser um almoço perfeitamente normal como qualquer outro.





Entretanto, note que o verbo da frase anterior está no pretérito.





— Só mais um pouco, cara! Você consegue! — Diz Kai, nitidamente empolgado. — Respira fundo!





— Eu tô tentando, droga! Mas isso dói demais! Como é que alguém suporta isso?! — Indaga Pether, ofegante e vermelho de tanto fazer força.





— Para você ver como mulher sofre. — Diz Anne, secando a testa do homem com um lenço. — Vamos, respira! Você consegue fazer melhor do que isso!





— Eu não consigo! — Exclama, em lágrimas. — Eu não vou aguentar!





— Tudo bem, tudo bem. Já se moveu uns dois centímetros, dá para ver. — Comenta Neil, analítico. — Só mais um pouco!





— Agora, vai! Força, cara! — Diz Yuuta. — Está quase lá!





— Ele vai ficar bem mesmo? — Pergunta Ayane, um tanto preocupada.





— Eu não sei, não entendi até agora como foi que isso aconteceu. — Diz Carlos, dando de ombros com um simpático sorriso.





Pether dispõe do máximo de sua força embalada em um grito — que prioriza a atenção até mesmo da cozinha — e com toda sua concentração. Percebendo resultados, para momentaneamente e um sorriso toma conta de sua face.





— Você conseguiu, cara! Você — Antes que Kai finalize, é interrompido.





— Você conseguiu mover meu braço cinco centímetros da posição atual. — Diz Jill. — Ah, e  você perdeu. — Derruba o braço de Pether na mesa de apoio com apenas dois dedos.





— NÃO! — Pether passa a chorar convulsivamente.





Olhando por este ponto, é impossível compreender, não é? Pois bem, voltemos um pouco no tempo para melhor entendimento do caso peculiar.

















ATO 2: (B)OAS IDEIAS VÊM DAS PIORES MENTES





— Acho que esse ficou ótimo em você, Ayane! — Anne complementa seu comentário com um receptivo e surpreso sorriso.





— Tem certeza? — Ayane se rodopia, conferindo-se em um espelho à sua frente. — Não sei, acho que tenho que rever as outras opções.






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Pelo senso comum, era evidente que seu vestido sem alças, de cores leves — em destaque o branco e o lilás — e propícias à estação veranil, esbanjava de exuberante beleza ao seu corpo dotado de elegância. Além disso, ajustava — com ligeira incerteza — um chapéu branco do estilo floppy para realçar mais seu penteado escondido.





— Pela sétima vez? — A ruiva ironiza com ligeiro pesar na voz. — Olha, você está linda e radiante, sabe muito bem disso!





O receio da jovem aparentava mais não se basear em sua autoconfiança ou seus adeptos estilistas e, sim, à opinião alheia. Ainda mais quando se tratava de especificidade.





— Mas será que ele vai gostar? — Posiciona sua mão em sua cintura, a fim de engajar uma pose suficientemente confiante para si e ao destinatário de tanto ensaio visual. — E o que eu posso calçar, afinal?





— Acredito que ele gosta de você de qualquer jeito, não? — Anne sorri. Logo, percebe a chegada de um moletom flutuante para próximo de si. — O que eu falei para você em não futricar na loja, hein?





O tom levemente repreensivo e justo descobre o pequenino corpo de Misdreavus sob a peça de roupa. Apesar do semblante peralta, o Pokémon assente em obediência.





— De calçado? Hm — Analisa brevemente o visual da garota, não muito convicta de suas futuras ideias. — Não sei, na verdade, acho que algo para combinar mais com esse seu estilo mais elegante de verão.





Tão pouco opinaria sobre elegância e a vasta opção de vestimentas que Ayane poderia optar — apesar de fazer parte de seu currículo mental e de sua posição como herdeira do Castelo de Shabboneau. Ainda assim, preferia trajes mais urbanos e objetivos.





Como objetivo, reservava a gosto as peças que não demandavam de dificuldade ou burocracia para serem vestidas.





Para a ocasião, não fora muito além de uma regata cavada acinzentada e estampada — tais cavas realçavam as formais e curvilíneas silhuetas da sua parte superior de seu corpo — e um shortinho do tipo jeans, rasgado e abatido, preto. Para finalizar, fazia bom e confortável uso de seus tênis vermelho-brancos de cano alto, sem meias visíveis.





— Para você, deve ser bem mais fácil — A garota de cabelos quase negros se limita a um frustrado sorriso perante à outra. — Deve ficar linda com qualquer um daqueles vestidos que a gente só vê em filmes!





— Por um lado, sim — A concede, seguido de um sorriso, uma das caixas de calçados dispostas para experimento. — Mas, a questão aqui é você e o Yuuta, não?





As bochechas de Ayane ruborizam consideravelmente com o comentário e aceita a caixa com ligeiro desastre a ponto de quase derrubá-la. Dela, retirou um conjunto de sandálias tropicais com acentuados saltos.





Sob o olhar confiante de Anne, a garota finalmente calçou as sandálias e se conferiu novamente ao espelho. Um confortável semblante se acomodou em seus olhos brilhantes, remetendo que finalmente encontrara a combinação perfeita.





— Acho que vou ficar com esse mesmo! — Com uma feição alegre, Ayane se conduz a um abraço de agradecimento à outra.





— Fico feliz por isso! — Anne ri de leve, apesar de achar exagerado tanto enaltecimento por sua presença. O que fizera, afinal, além de sugerir algumas peças de roupas?





Depois de breves minutos, as duas adolescentes deixam uma do conglomerado de lojas espalhadas pelo shopping — aquela não devia ter sido a primeira que visitaram, com certeza — e, para compensação, o convite para refrescarem a garganta com um sorvete foi incentivado por Anne.





— Você não me contou com detalhes sobre aquele plano maluco que estava armando para conhecer o diretor daquele estúdio, o- ér, qual era mesmo o nome? — Ayane inquire, dançando a colher em meio à bola de sorvete e o traçado exagerado de cobertura que despejara.





— Mah Boi? — A ruiva completa, assim que saboreia sua primeira colherada de seu sabor favorito: creme.





— Isso! — Exclama, com um sorriso. — Qual é a ideia, afinal?





— Bem, é que faltam poucos dias para o aniversário dele e — Deposita seus braços sobre a mesa e os cruza. — Como ele foi um grande amigo na hora que mais precisávamos e, também, que eu sou uma apaixonada por seu trabalho, acho justo convidá-lo para a sua festa!





Ayane demonstra uma expressão confusa.





— “Convidá-lo para a sua festa”? Mas, não era para ser uma surpresa?





— Em teoria, eu queria muito que fosse. — Suspira. — Mas, pelo que eu pesquisei a respeito de todas as festas surpresa que aconteceram com ele, acho que não deu muito certo. — Ri de leve.





— Então, como vai ser?













ATO 3: A (C)URIOSIDADE MATOU O [...]?





Na ausência do professional competente da área, a sala de aula degustava de um angustiante e repressor silêncio — talvez pela crença embalada com o histórico intolerante do professor com relação a isso — e a sequência enfileirada de alunos em cada coluna intercalava entre a realização da atividade proposta ou algum devaneio mais interessante.





Claro que as normas de comportamento não se aplicavam a um trio específico, o qual ora permanecia inquieto em seu assento, ora cutucava o próximo — cochichando palavras inaudíveis ao restante, porém ligeiramente irritantes.





— Vai lá, cara. — Sussurra Kai. Empurrou o ombro do colega à sua frente algumas vezes, no intuito de encorajá-lo ao ridículo. — Aproveita que ele costuma demorar quando sai da sala!





Mesmo que o rapaz de origem havaiana tivesse enorme apreço e preferência por trajes casuais e leves, não teve como recorrer contra o código de conduta do colégio.





Ainda com isso, poderia desfrutar de seus apetrechos em seus longos cabelos negros, afrouxar sua gravata vermelha — considerada totalmente inútil — e gozar das dobras em seu terno azul-marinho e das barras de sua calça de mesmo tom — vez ou outra, mentalizava o quão desnecessário baseava a combinação de uniformes escolares. Ainda com isso, seus retoques nada carismáticos lhe rendiam o charme fundamental captado por diversas garotas — ou garotos — no colégio.





— Eu? Vai você, ué! — Yuuta resmunga, após perceber que borrara o caderno com a inquietude do outro. — Tá feliz? Agora eu vou ter que refazer em outra folha, animal!





Apesar da temperatura amena — sob o receptivo tempo ensolarado da manhã — Yuuta não se incomodava com o uniforme da mesma maneira que o moreno, então seu conjunto manteve-se inalterado. A única diferença de seus trejeitos roupeiros e rotineiros era o fato do menino se sentir confortável o suficiente para calçar sandálias no estilo crocs.





Mesmo com o leve desleixo, não deixava de ostentar simpatia e determinação — ainda que estivesse longe de ser o melhor da turma, devido a seu leve grau de déficit de atenção — e, bem, seu nome é Yuuta, não?





— Yu-Yuuta — Kai expressa um inconsistente choramingo em sua voz, mesclado ao seu tom divertido.





— Eu que não ouso me aproximar daquela mesa. Você sabe muito bem com quem nós estamos lidando. — Pontua sua caneta sobre uma nova folha de papel e torna a escrever.





— Ô se sei. — Ri com os lábios fechados. — Pelo que me lembro, da última vez, eu quase morri por causa dele.





— Ao menos se ele estivesse aqui, você estaria caladinho como o bom filho que a casa torna. — Comenta Neil, com uma aguda ênfase em sua voz em relação ao cenário em questão. Não era a primeira vez que alguém pedia silêncio para o garoto de dreads.





Sentado ao lado direito de Yuuta, mais compactuado às leis colegiais, o sujeito de óculos não media esforços para aprontar seus cabelos desalinhados e espatifados, além de seu desajeitado e abarrotado uniforme perante às opiniões alheias — mesmo que não fosse para agradar ou denegrir, sendo, exclusivamente, por preferência — e, apesar de integral quanto às vestimentas, quebrava um dos principais tópicos abordados na instituição — a organização.





— Você diz isso, mas deve estar louco de vontade para saber o que tem lá. — Kai cruza os braços, com um semblante pressionador sobre Neil.





— Não, não estou. — Sorri ao retomar seus fones de ouvidos para sua aconchegante concentração. — Aliás, o professor deve retornar, pelos meus cálculos, em quatro minutos e vinte três segundos. Tempo suficiente para você começar a sua atividade.





Por conta disso, recomeçou sua playlist da maneira mais agradável aos seus tímpanos. Ostentou de uma feição relaxada e aspirante quando captou os primeiros graves da Sinfonia no. 5 em C Menor de Ludwig Van Beethoven.





— Qual é, Yuuta? — Kai volta a sua atenção ao rapaz à frente, o fazendo trepidar o braço mais uma vez ao esbarrá-lo. — Fiquei sabendo que ele desenhou até a Anne!





— Mas que po-...! — Antes de elevar a sua voz em vários oitavos e ser o alvo de olhares repreensivos da classe, Yuuta suspirou profundamente.





— Eu, o quê? — Indaga Anne, confusa, embora tenha ouvido perfeitamente as palavras do inquietado moreno.





— Não precisa ficar envergonhado, Yuuta. — Sibila Kai, sarcástico. — A Anne é um ótimo exemplar para a paleta de cores do professor Pedro!





Após ditar tais palavras um tanto além do volume que deveria, o rapaz recebe uma onda de onomatopeias exigindo silêncio. Percebendo o sereno ardor em suas bochechas, Yuuta se vira imediatamente e retorna ao foco em sua tarefa. Para melhor aproveitamento, recoloca seus fones de ouvido antes descansados em seus ombros.





— O pro- O professor Pe-Pedro? — Anne cora seu semblante, ligeiramente atônica.





A única vantagem em estações veranis para os uniformes femininos, especialmente para Anne — além da semelhança do terno e da parte superior, com o laço da gravata mais distante e afrouxado e a camisa ser de malha mais fina — era o fato da saia, também em azul-marinho, que o colégio fazia questão de enfatizar.





Ainda bem que a diretoria não invocou com seus tênis de cano alto notavelmente surrados — nem por estarem velhos, mas por serem vermelho-brancos.





— E não é? — Kai ri baixinho.





— K-Kai! — O repreende em seu tom de voz não convincente e tímido.





— Bom, eu tenho que descobrir isso nessa vida. — O citado se levanta, sem causar alarde com a carteira.





— Não é preciso ser nenhum gênio para deduzir que isso vai dar merda. — Ao perceber a transição do rapaz ao seu lado, Neil sussurra.





Aproveitando a ausência e desatenção de Kai, Anne destaca um sorriso travesso e se aproxima de sua carteira, a fim de afanar seu caderno por breves instantes.





No rápido relance de evitar, ao máximo, de deixar seu assento e se esticar até a carteira ao lado, Neil, distraidamente, pode perceber e concluir — sem falhas — que as saias dispostas para as meninas da instituição eram extremamente curtas.





Yuuta, percebendo a tão indiscreta maneira de Kai futricar nos arquivos sobre a mesa do professor e nas suas gavetas, resolve se levantar e dirigir até o companheiro.





— A discrição te mandou lembranças, sabia? — Desloca seus fones até seu pescoço.





— Sabia que você não ia resistir. — Sorri, com alguns papéis nas mãos.





A princípio, não visualizou nada de relevante. A primeira folha se tratava de uma atividade qualquer. Ao vasculhar um fichário, encontrou a lista de frequência da turma atual e das demais. Pensou em folhear até visualizar o nome de algum de seus amigos e marcar faltas consecutivas, mas o tempo era escasso.





Em seguida, Yuuta abre a última gaveta no canto direito do móvel. Dali, retira uma pasta preta, consideravelmente recheada, com a luz que Kai gostaria de receber.





— Para quem não estava interessado, você foi bem rápido. — Diz Kai, na ansiedade de que o conteúdo fosse revelado o mais rápido possível.





Num gesto desastroso, Yuuta derruba a pasta ao chão. Com isso, o emaranhado de desenhos se espatifa como fios de macarrão à panela.





Enquanto isso, instintivamente, o garoto de óculos mordia a unha de seu polegar enquanto tentava suprir o foco apenas à sua tarefa — apesar de que a bagunça causada à frente foi o estopim de causá-lo nervosismo de forma implícita. Por outro lado, Anne, com uma caneta permanente, traçava com pouca elegância o retrato de uma espécie de pato concedendo o dedo do meio — improvisado, já que tentara conceder dedos às suas asas.





— Caramba, ele já desenhou até a Amy! — Comenta Yuuta, nitidamente impressionado com o fato e com a qualidade do esboço.





— Quem? — Indaga o outro, ainda recolhendo os demais desenhos.





— Ah, ninguém. — Complicado demais para explicar em um curto intervalo de tempo, Yuuta concede um gesto para que deixe para outra ocasião.






https://www.youtube.com/watch?v=OmCh2yLBCIk




Logo, para o pavor da dupla, o som da maçaneta da porta acelera seu recolhimento — e, consequentemente, o desestabiliza também. Encaixando os papéis de forma agressiva, alguns se amassavam ou dobravam mediante o pouco espaço restante.





Na pressa, ambos se levantam e correm até a mesa. Fecham as gavetas, organizam os papéis remexidos sobre a madeira do móvel e, assim que a porta é aberta, para a infelicidade de Yuuta, um passo em falso numa folha restante — escondida de seu campo de visão — o faz escorregar e cair ao chão.





Com o impacto, sua Pokébola em seu bolso é abruptamente lançada por poucos metros de distância.





— Alunos, — A voz do professor adquire consistência e volume à sala.





Assim que o mestre adentra ao ambiente, percebe um menino caído ao chão com um semblante dolorido, o outro, próximo de sua mesa, com uma feição culpada e arrependida e um Pokémon crocodilo nitidamente empolgado e imparável correndo para os lados.





— ... voltei.





Subitamente, o réptil dentuço e agitado avança até a perna do professor e crava seus dentes com gosto em sua canela.





Após o grito ensurdecedor de dor da vítima, além do coro de vozes e risadas dos demais alunos, Anne estapeia a própria face com um semblante desgostoso perante à situação. Neil, relançando o olhar vez ou outra à comédia gratuita, apenas confirmou sua certeza com sua expressão contentada.













ATO 4: (D)ESDE QUE UM ESTEJA,
EU TAMBÉM ESTOU DENTRO!





— Poxa, eles estão demorando, né?





O toque de encerramento do dia letivo havia soado tem angustiantes horas para Anne — o mesmo tempo, relativamente tranquilo para Neil. A garota lançara a pergunta pela quarta vez e, com isso, não obteve resposta da outra parte. Além disso, antes mesmo de se escorar no muro do colégio, sua impaciência fazia com que tornasse a caminhar novamente.





— Eles vão aparecer. — O rapaz suspira, visivelmente incomodado com tanta euforia da personalidade ruiva à sua frente. — Relaxa um pouco, Anne.





— Você viu a cara do professor quando saiu da sala com os dois? — Anne apoia as mãos na cintura, nitidamente preocupada. — Eu tenho medo do que aconteceu naquela diretoria!





— Bom, é certo que o professor Pedro terá que ir para a enfermaria depois dessa conversa — Acrescenta com um ligeiro alinhar de suas lentes ao seu rosto. — Aquela mordida do Totodile deve ser inesquecível, com certeza.





— Aliás, por que o Yuuta resolveu trazer seu Pokémon para o colégio? — Pergunta, quase que para si mesma.





Uma vez que Neil estava mais concentrado em sua música — o que a ruiva visivelmente constatou, até movimentava os lábios no intuito de estar cantando algo mentalmente — Anne aglomerava um punhado de questões desnecessárias a respeito dos acontecimentos, até avistar os dois meninos vindo até o portão principal.





— Rapaz, eu nunca vi ele tão bravo daquele jeito — Kai comenta. A feição transpassada denunciou a quantidade de sermões que seus ouvidos, ainda zunindo, tiveram que aguentar.





Logo, percebe o aceno sorridente da menina às suas direções. Imediatamente o corresponde, mascarando sua frustração momentânea.





— Ei, como foram lá? — Curiosa, Anne se aproxima para encurtar o trajeto dos demais.





— Nada demais. — O moreno sorri, espreguiçando-se tranquilamente.





— Nada demais?! — Yuuta se manifesta, incrédulo e um bocado alterado. — Nós tomamos uma suspensão, quase chamaram os meus pais e você ainda diz “nada demais”?!





Neil, percebendo a alavancada na discussão dos amigos, finaliza sua sessão musical e se reúne ao trio.





— Então, quantos dias?





— Três. — Kai responde, antes que seu amigo o fuzile com outro comentário. — Poderia ter sido pior, poderiam ter chamado os pais de todo mundo!





— Ah, claro! — O outro suspenso exaspera com os braços. — Até porque eles dois tiveram algo a ver com isso, né? — Aponta para Anne e Neil, respectivamente.





— Bom, para começar que o nome dele é Neil e o sobrenome dela é Schrodinger — É interrompido.





— Ah, dá um tempo! — Exclama Yuuta.





Assim, o menino volta a caminhar, entre passos pesados, até a saída do colégio. Foi o suficiente para a garota se lembrar do motivo pelo qual estava plantada há tanto tempo os aguardando.





— Yuuta! Espera aí! — Segue o caminho do rapaz.





— Não espere que eu leve suas tarefas em sua casa. — Neil dá de ombros ao olhar para o seu colega.





Antes que Yuuta traçasse sua rota com o pesaroso e indesejável senso da futura suspensão que teria de arcar, sente seu braço sendo gentilmente segurado.





— Agora não, Anne. — Conclui, um bocado ríspido.





— Ah, mas — O segura com um pouquinho mais de força. — Tem algo que eu quero dizer para todos vocês!





Encarando-a por reles segundos, pode notar que, apesar da simpatia pela culpa de seu castigo, os olhos de Anne remetiam que havia algo estrondoso para compartilhar com todos.





Suspirou com calma e precisão e mentalizou que seus objetivos manchados pelo imprevisto seriam administrados mais tarde, possivelmente quando estivesse sozinho. Não teria por que revidar com um comportamento rude em cima de seus amigos e, especialmente, da garota.





Pode se dizer que a feição sorridente e alegre da garota ruiva apaziguou sua pilha de nervos de maneira pontual e certeira. Até que esta finalmente percebe que ainda segurava, agora, a mão do rapaz.





— A-Ah, eu esqueci de soltar. — Ri de leve, ligeiramente embasbacada.





— Não por isso. — Embora o complacente sorriso de Yuuta remetesse segurança, quase gaguejou ao se pronunciar.





— Algo para dizer? — Neil se aproxima com a questão na ponta da língua. — E como que eu não fiquei sabendo disso por todo esse tempo que ficamos aqui?





— Eu consegui me segurar ao máximo. — Anne sorri, serelepe, embora seu semblante entregou aos demais que reservar a tão aguardada novidade foi uma tarefa árdua.





— E então? — Kai arqueia uma das sobrancelhas. — Você finalmente vai ser streamer Pokémon?





Os demais, inclusive a dona da notícia, o encaram com feições estranhas e descrentes.





— Só foi um chute! — Alega as mãos em defesa. — Eu, hein?





— Deixa a Anne falar então, mané! — Prossegue Yuuta. — Fala pra gente, o que aconteceu de tão bom assim?





— Então, eu gostaria de dizer a vocês que consegui reservar uma data de visita para os Estúdios MahBoi! — O êxtase da garota subira a cada palavra pronunciada.





Expectativa essa que despejou como ácido em sua garganta ao desfrutar da reação dos demais. Kai forçou um sorriso, independente do que havia entendido — se é que ouvira corretamente. Neil continuou a encarando, como se aguardasse a novidade tão repercussiva e, por fim, Yuuta permaneceu em silêncio, considerando qual seria o tipo de semblante que deveria expor.





— MahBoi? O que é isso? — Pergunta Kai. — Alguma concorrente do abatedouro da cidade?





— Deve ser aquela casa de carnes nova que abriu ali na próxima quadra. — Responde Neil, indiferente. — Mas, Anne, por que quer tanto conhecer esse açougue?





A feição emburrada e perplexa de Anne garantiu que ambos os comentários estavam equivocados — o terceiro vindo do outro menino nem precisou ser feito, o que soou aliviador.





— Sério, gente? — Inquire, levemente frustrada. — O estúdio de produções do Pether, o cara que a gente conheceu e que, aliás, salvou nossas vidas nos tirando daquele lugar horrível!





— AH! — Exclamam, em uníssono.





— Mas, ele não estava em estado de falência? — Relembra Yuuta, pelo pouco que se recordou do diálogo que se apresentaram anteriormente.





— Pensando bem, um homem no meio do nada com uma van com estereótipo de diretor de cinema, é muito provável de que ele esteja à beira da miséria. — Assim que Neil analisa metodicamente, Anne revira os olhos.





— Que gratificação vocês têm, hein? — Cruza os braços, serenamente emburrada.





— Mas, o que tem de tão surpreendente nessa visita? — Pergunta Kai, um pouco curioso.





— Acontece que a data que consegui uma reserva é um dia antes do aniversário do Pether! — Sorri.





O silêncio entre os três novamente floresce um sentimento de arrependimento por Anne ter escolhido justamente tais figuras para compartilhar de sua amizade.





— Nossa, pessoal! — Eleva a voz. — A ideia é preparar uma festa de aniversário para ele, né?





— Ah — Intervém Yuuta. — Sério? Mas, a semana de provas tá chegando e — Evita de completar.





Não que tal fato fosse tão relevante, ainda mais considerando que não havia com o que se preocupar.





— E como sabemos se ele quer uma festa? Ainda mais surpresa? — Pergunta o Campanella, ajeitando, mais uma vez, o centro de sua armação ocular em seu nariz.





— Quem não gosta de uma festa? — Retruca Anne. — Além do mais, não vai ser surpresa. Será com o total consentimento dele para tudo o que planejamos acontecer.





— Planejamos? — Mais de um inquire a questão, enquanto o outro a cogita mentalmente.





— Sim, a Ayane e eu estivemos pensando em alguns detalhes para a festa. Vocês não vão amarelar, né?





O tom de súplica da garota foi irresistivelmente meigo e impossível de contrariar. Apesar da agenda atribulada de compromissos inexistentes e provavelmente inventados para escapulirem de situações indesejadas, seria uma tremenda falta de consideração com o convite esperançoso de Anne.





Yuuta foi o primeiro a ceder, afinal, se a ideia nasceu da dupla — o que incluía o nome de Ayane, precisamente — não poderia negar mesmo que houvesse uma catástrofe desabando em sua vida — ainda que o assunto da suspensão foi parcialmente esquecido.





Neil, indiferente com o que teria ou não para fazer, não dispensaria a sua contribuição para uma amiga. Nesse caso, se candidatou sem nenhum porém.





Kai, não obstante dos outros, topou quase que de imediato com o anterior, imensamente animado. Apesar de contrariar muitos de seus costumes e rotinas previstas para um epílogo, poderia ser divertido e não dispensaria a oportunidade.













ATO 5: LUZ, CÂMERA, (E)STÚDIOS MAHBOI!





Os Estúdios MahBoi, um enorme complexo arranjado na área periférica da cidade — como dito pelos detentores de sua marca, geo-localização conveniente para a dinâmica das gravações — com dezenas de sets de filmagem, dublagem, distribuição, sonorização e toda a parte técnica e burocrática que necessitavam.





Claro que Anne visualizava e se maravilhava a cada centímetro cúbico por onde ela e seus companheiros passeavam com o mini veículo de passeio dos artistas — divididos em dois grupos —, gentilmente cedido pela equipe de profissionais do complexo cinematográfico.





— Olha ali! — A garota aponta para que Yuuta siga seu dedo. — O set número 8 é onde acontece a saga que eu mais amo!





— Qual? — Apesar de não conseguir corresponder à toda animação de Anne, o garoto se esforçava ao máximo para interagir e escutá-la sem pausas. — Ah, agora vi. Que produção seria essa?





— A “Crônicas”! — Exalta-se com os punhos cerrados e uma aura positivamente brilhante. — Acredita que ela já está em sua terceira produção, somando quase 330 episódios em todas suas temporadas? Isso porque tiveram tantas versões remasterizadas que eu nem sei o quanto já me dediquei em acompanhar episódio por episódio — A pausa só foi conveniente aos ouvidos de Yuuta quando este percebeu que a garota reunia fôlego. — Não é maravilhoso saber que eu vou poder acompanhar, de pertinho, como é produzida toda a mágica por trás e na frente das câmeras, Yuuta?





— A-Ah, deve ser especial, sim. — Yuuta ri, um bocado perdido na conversa. — Aposto também que ele deve estar ansioso em te ver.





Claro que era quase atropelado a cada comentário que fazia, seja por algo que Anne relembrava e necessitava contá-lo com urgência — ou apenas corrigir e atualizar os fatos após uma vaga confusão em meio a tanto conhecimento — ou também quando se arrebatava ao ver algum personagem tão querido da trama se direcionando ao galpão de filmagens.





— Serena! — Do veículo a aproximadamente 10 quilômetros por hora, a ruiva acena para a garota avistada como se não houvesse amanhã. — Eu te amo! Seu destaque nessa temporada tá demais!





Sem entender a súbita aparição, mas ciente do assunto tratado, a garota loira — com uma pilha de papéis na mão — acena de volta com um simpático sorriso.





— Ah! — Anne suspira gostosamente. — Esse dia vai ser inesquecível, sem dúvidas!





Enquanto isso, um pouco mais atrás, em outro veículo, Kai e Neil vez ou outra discutiam algum assunto sequer duradouro, além de, nem de longe, apossarem da mesma energia que a parceira revigorada à frente.





— Será que isso vai dar certo? — Instiga Kai, desviando a atenção incerta do outro.





— Hm? Ah, sei lá. — Dá de ombros. — É só uma festa de aniversário, que mal pode haver?





— Não faço ideia, já parou e pensou que o nome “Pether” é apenas uma derivação metalinguística e que sua personalidade pode ser um contrapeso do professor Pedro? — A teoria do moreno faz com que Neil levante a cabeça e o encare, incrédulo.





— Kai! Isso é incrível! — Sorri.





— Sério? Pô, eu nem — É interrompido.





— Sim, o seu vocabulário conta com palavras difíceis que você conseguiu pronunciá-las e encaixá-las em um contexto. — O caçoa, com boas risadas.





— Humph. — Franze o cenho. — Deixa estar, eu vou ter a oportunidade de dar o troco.





— Mas, não nego que é muito importante pensar que esse cara pode ser tão estranho quanto o nosso professor. — O quatro olhos analisa, parcialmente sério.





— Ah, por via das dúvidas, é bom decorarmos a rota de saída. — Logo, chama a atenção do motorista. — Senhor, essa coisa não anda mais rápido do que isso, não?













Assim que estacionam em frente ao set correspondente — e informado da presença do diretor através da assistente de palco — os quatro encaram a grandiosa e bagunçada construção.





Escadas, caixotes, papéis de parede, cavaletes de cenário, cabides e um amontoado de tecidos. Além disso, o cheiro de mofo com tinta envelhecida soava como um singelo aroma que Anne inspirava com prazer.





— Há quanto tempo que não tem uma reforma nisso aqui? — Observa Neil, atentando-se a uma parede metalizada marcada pelo ferrugem.





— Por um instante, até achei que estaríamos visitando o tal abatedouro. — Comenta Kai, rindo em seguida.





Caso se calassem totalmente — o que acontecia eventualmente — podiam ouvir, trazidas pelo eco, as vozes em atuação de alguma cena em gravação no momento. A garota não poderia ter escolhido um momento mais ideal para a visita, o que a fez abrir um sorriso de orelha a orelha.





— Bem, vocês esperam aqui um pouquinho, tá bom? — Ela se vira aos demais e exibe uma piscadela.





— Ainda bem que estamos na sombra. — Suspira Yuuta ao sentar-se em um banco ao lado da entrada.





Sem objeções, os demais se acomodam aonde lhes soassem mais convenientes. Neil ainda proferiu alguns passos além do set atual, a fim de checar a imensidão do estúdio. Kai optou por descansar ao lado do outro amigo.





— Dia difícil, né? — Abraça seu joelho por um momento após o alongá-lo. O procedimento se repete algumas vezes.





— Nem tanto. — Diz Yuuta, com um leve sorriso. — Até que não será tão ruim ficar três dias em casa, embora a minha mãe vá me dar algum serviço e um puxão de orelha, com certeza.





Não tardou muito para o rapaz de óculos regressar.





— Pede ajuda ao Totodile, já que ele tem tanta disposição para ser o centro das atenções. — Os presentes sentiram a dosagem correta de ironia na voz de Neil, o que, em partes, causou um alívio cômico em todos.





— É, ele precisa urgentemente de um treino. — O dono do Pokémon peralta reúne suas mãos e encara seus pés por alguns segundos, pensativo. — Assim que eu finalmente puder seguir com a minha jornada.





— A nossa jornada, você quis dizer. — Complementa Kai, repreensivo, porém, brincalhão.





— Sim. Isso mesmo. — Concorda assim que sua visão novamente encara o parceiro de dreads. — A de nós cinco.





— Yuuta? — De repente, uma doce voz, reconhecida até longinquamente, feminina o aborda.





A cor do seu uniforme distinguia-se dos demais, destacando o forte vermelho de seu terno levemente caído de seus ombros — a fim de uma falsa impressão refrescante — e de sua saia preta um palmo mais comprida das que estava habituado a conviver — o restante, como sapatos escolares e meias padronizadas brancas, não lhe soou incomum.





Incomum, mesmo, era a presença de Ayane em si.





— Ayane? — Levantou-se imediatamente. — O que faz aqui?





— A Anne ainda não contou para vocês? — O encara com uma expressão curiosa e alegre.





— Hã, sim, mas — Segue de uma pausa. — Por que não veio com a gente?





— Ah, eu tinha algumas coisas a serem feitas depois do colégio. — Sorri, um tanto encabulada. — Não queria te preocupar com essas bobagens corriqueiras, aí, achei melhor nos reunirmos aqui.





Yuuta se esforçava para não abobar seu semblante de frente coma garota, mas sua leve e aguçada fragrância ao tom adocicado que dançava de seus cabelos curtos e castanho-escuros o ninavam em um transe que o fazia encará-la precisamente sem nenhuma razão.





— Tá tudo bem, Yuuta? — Acena bem rente à sua visão, um bocado preocupada.





— A-Ah, tá sim! — Ri de leve. — Então, pode nos dizer um pouquinho de como será a festa do Pether?





Relanceando o olhar a um ou outro, o rapaz se sentiu fortemente coagido com semblantes irônicos e provocativos, totalmente cientes do que acabara de acontecer — da pior forma que imaginava, para finalizar.













Após percorrer um corredor, uma sala, outro trilho e um lance de escadas, Anne finalmente adentrou ao mundo em que tanto derramava admiração. A primeira coisa que a gratificou de uma forma inigualável foi a quase-cegueira provocada pelos holofotes do cenário em ação.










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Se aproximando vagarosamente dos bastidores, a garota cumprimentava — seja com um gesto simples ou um sorriso magnânimo — os roteiristas, assistentes e outros cargos desempenhados em tantas cadeiras e balcões.





Mais à frente, quando finalmente pode enxergar com o acostumar dos feixes luminosos, simbolizou o marco de sua felicidade. Seus olhos, levemente marejados, escorreram algumas lágrimas do mais puro contento em estar presente na remontada e vívida cidade de Viridian.





— Isso é- isso é — Com os lábios trêmulos, desistiu de finalizar a frase. Seus sentimentos já estavam adeptos a expressarem por si mesmos.





Conseguiu avistar a cadeira do diretor e, com isso, Pether Morgenstern — nome que gravara muito bem e que a acrescentou outro sorriso agradecido quando o leu atrás do objeto — pacientemente, de pernas cruzadas, observando a cena.





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Além da trilha sonora que bem reconhecia adentrando aos poucos ao ambiente, também enxergou o narrador ao canto, isolado em uma pequena sala com todo o seu portfólio de reprodução e mixagem. Se impressionou um bocado por imaginá-lo de uma maneira totalmente diferente.





Todo o jogo de luzes, a harmonia transmitida pela equipe de sonoplastia e a direção de som, em contracena com o Festival de Viridian — o qual tinha enorme apreço — só contribuíram ainda mais para suas pernas estremecerem de emoção.





— Olha só isso! São globos de neve com Pokémon personalizados! — Max aponta a uma tenda em específico, o que chama a atenção dos demais acompanhantes.





— Cara, é impressão minha ou aquela ali tem um Articuno?! — Indaga Ash, se aproximando de imediato.





Uma das câmeras lentamente se direcionava ao foco do objeto citado. No dito objeto artesanal, um pequeno molde do Pokémon citado todo trabalhado no biscuit chama a saliva dos dois garotos, de tamanha admiração.





Á medida que se aproximava de Pether, Anne não deixava de acompanhar a cena com os olhos cravados na atuação dos protagonistas. Quase tropeçou em um cabo de força, mas logo se recompôs.





— Impossível de esquecer, aquela guerra de bola de neve não teve um desempate até hoje. — Diz May. — Eu ainda acho que o papai devia fazer parte do meu time!





Não deixou de contemplar a protagonista com profunda benquerença. A sua beleza resplandecia e correspondia ao brilho das luzes noturnas do festival que participava e, mesmo conhecendo a trajetória da personagem de gato a rabo, impossível seria não a parabenizar pelo momento.





Quando se deu por notada, sentiu que mais lágrimas escorriam involuntariamente por seu rosto. Daqui a pouco, estaria soluçando entre seu choro abarrotado de felicidade.





— É uma pena. — Responde o garotinho. — Porque eu te daria uma surra na nossa guerra de bola de neve!





— CORTA! CORTA! CORTA! — Até que Pether se manifesta, nitidamente incomodado. — O que foi agora, menina?!





Virou-se para Anne, o que, em partes, lhe rendeu um semblante receptivo ao notar a presença emocionada da garota.





— E-Eu sempre sonhei em rever essa guerra de bola de neve. Desculpa. — Diz Anne, em um tom de voz choroso.





Apesar de complacente, o semblante sério e profissional do diretor se manteve — sob a condição de uma piscada de olho para a menina, a fim de continuar com a aparência carrancuda e inalterada aos demais.





— Olha, eu — Coça o queixo. — Primeiramente, eu aceitei que você viesse aqui sob a condição de ficar totalmente calada em um momento como esses. Em segundo lugar, cadê aquele lunático com Mal de Alzheimer, o pseudocientista com complexo de sofrimento e o membro de uma gangue de periferia havaiana que você chama de amigos?





— ... Oi? — Pergunta a si mesmo, altamente confusa.













— Ah, qual é? — Anne suspira, desanimada. — Vai ser divertido! O que te fez mudar de ideia?





— Da última vez que planejaram um aniversário para mim, fui sequestrado, enviado para o Alaska e ainda jogamos Poker por duas horas para, no final, me falarem que pegaram o cara errado. — Explica Pether, enquanto organiza sua mão de cartas.





— Sua vida é bem movimentada, hein? — Kai se impressiona um bocado, além de dividir sua atenção ao carteado que o diretor participava.





— Mas eles aceitaram nos levar para a comemoração depois que você pensou na ideia! — A garota continua, insistente. Aponta respectivamente ao casal referido que também se atentava ao jogo.





Em uma considerável tragada de seu cigarro, o senhor Morgenstern o posiciona sobre o cinzeiro e volta a observar a rodada com frieza — embora estivesse um pouco confuso.





— Espera, você descartou esse três de espadas? — Pergunta, incrédulo.





— Não tinha utilidade. — Responde Carlos, num semblante divertido.





— ... Eu estava procurando por ele tem 8 rodadas. — Estapeia a própria face.





Entre cochichos e risos, as principais perguntas dos demais se resumiam a respeito do término do jogo, o que realmente seria feito em prol do aniversariante e, principalmente, quem era aquela criatura medonha e laboratorial sentada pacientemente e reunida aos demais.





— A gente veio aqui só para te ver, cara. — Yuuta se manifesta. — Não vai te matar o fato de largar o seu estúdio por um dia para comemorar algo que fizemos questão de lembrar, não é?





— Escuta os garotos. — Comenta Jill, separando duas cartas em sua mão. — Da última vez que comemorei meu aniversário, fiquei tão bêbada que acordei nos dutos de ventilação da delegacia.





— Que mal me pergunte, o que diabos você bebeu para chegar a esse ponto? — Não era do feitio de Neil se intrometer nos assuntos alheios, quanto mais de adultos, mas tal levantamento o deixou estupidamente perplexo.





— Nem queira saber, garoto. — Carlos intervém antes da moça. — Aquela delegacia é terrível, e olha que eu só estive lá por meia hora e nunca mais voltei.





— O ponto é — Anne corta os assuntos paralelos e debruça sobre a mesa. Com o olhar preso a Pether, ostentou da maior generosidade possível em sua feição. — Por favorzinho?





— Depois disso, você promete me deixar em paz? — A encara, com uma proposta aliviadora em sua concepção.





— Até o ano que vem, sim! — Sorri em resposta.





— ... Ok, ok. — Se dá por vencido com um arrependido suspiro. — Espero que os pais de vocês ao menos saibam que estão aqui e que pretendem atravessar o país.





— É mais comum do que você pensa — Introduz Kai. — Afinal, daqui um tempo estaremos em uma jornada Pokémon.





— Viajar para uma cidadezinha não é nada perante o que pretendemos desbravar. — Completa Yuuta, com um semblante valente.





— S... TARS? — Percebendo a última carta que adquiriu, a feição da criatura se deslumbra drasticamente. — STARS!!





O poderoso e grave rugido fez com que o rapaz, com seu pregresso discurso desbravador, automaticamente se abraçasse ao corpo de Ayane com o susto.





— Yu-Yuuta! Calma! — Apesar de também se eriçar com o repentino contato, o semblante da garota se satisfez gradativamente com a aproximação de Yuuta.





— Quantas vezes eu já te disse para não assustar os visitantes assim? — O monstro é exprobrado pelo olhar afiado de Jill. — As pessoas ainda não se acostumaram com você!





— Assim, você deve ir muito longe, hein? — Sacaneia Neil, com um olhar de canto.





— Calado! — Esbravece o rapaz, ligeiramente corado e desmoralizado perante os risos alheios.






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— Bem, bem, bem — Pether inquire após resfriar a bituca de cigarro no destinado objeto. — Imagino que você tenha planejado o destino por completo, pela sua cara de abobada, não? — Se dirige à Anne.





— Pode contar com isso! — Anne exibe uma contagiante piscadela e um sinal positivo com o polegar.













ATO 6: DE MALAS PRONTAS,
(F)ÉRIAS IMPROVISADAS!





Após horas na inesquecível visita de Anne e os demais nos Estúdios MahBoi e de escalar um ônibus-leito — patrocinado, inclusive, pelo estúdio no qual se orgulhava tanto em dedicar horas de sua vida miserável — Pether gentilmente cede seus anos duvidosos na frente do volante com uma carteira de habilitação de fontes incertas em troco da cabine do motorista.





O destino, decidido antes de todos embarcarem no veículo, demandaria de longas e chacoalhantes horas. Portanto, o abastecimento essencial de suprimentos e a necessidade de alguns cuidados extras foram riscados da lista após concluídos.





— Ok, estão todos acomodados aí?





Após a voz abafada do motorista ganhar destaque no andar superior reservado aos leitos-cama, o senhor Morgenstern estende a cabeça ao recinto para uma última checada superficial.





— Melhor, impossível! — Kai ostenta de um sinal positivo com o polegar, além de um monárquico sorriso.





— Na verdade, se puder diminuir a temperatura do ar condicionado em uns dois ou três graus, seria muito conveniente. — Pontua Neil, após levantar a mão em forma de chamado.





— Humph. Ok. — Após o resmungo, o piloto desce os reles degraus. — Essa juventude, sempre insatisfeita com qualquer coisa.





— Tá tudo ótimo, Pether! — Anne exclama em alto e bom som, para que a audição do homem seja contemplada.





— Não me diga que só tem essa sessão de músicas clássicas aqui? — Assim que Pether retorna à cabine, Carlos, com um olhar inconformado, checava a playlist no painel de rádio do ônibus.





— Sim, eu amo os clássicos. Você nunca ouviu Hasselhoff? — O encara, levemente indignado.





— Preciso mesmo dizer? — Devolve o olhar com ironia e diversão.





Tiene alguna sugerencia, señor? — Com um fajuto sotaque mexicano, Pether o indaga com determinada ironia.





— Mas é claro! — Sorri, com um disco de prontidão em mãos. — Eu vou te apresentar o que é música de verdade!





— Que desrespeito ao Hasselhoff. — Suspira.





Sem mais, acionou a chave e deu a partida no veículo-leito. Com o sistema de localização ativo, indicava algumas centenas de quilômetros até a parada final: Raccoon City.






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A noite estrelada proporcionava êxtase àqueles que admiravam a paisagem corrente no decorrer da estrada através das janelas de vidro fumê — Kai e Ayane eram os mais adeptos à tal experiência, por sinal.





— Essa rodovia tá bem tranquila, deve ser irado fazer um acampamento ali naquela floresta! — Comenta o moreno de dreads, tipicamente animado com as visões passadas e futuras da grandiosa mata à sua disposição. — Não acha, Anne?





Mesmo que seu deslumbre estivesse parcialmente focado ao lado de fora, o vácuo ocasionado em sua pergunta o fez distrair a atenção até a garota. Numa feição consideravelmente distante e aborrecida, podia constatar que Anne não estava semelhante à mesma que adentrara ao ônibus quando partiu.





— Anne? — A chama mais uma vez, a chacoalhando de leve para desembalá-la de seu transe.





— Ah, oi? — O olha, forjando um leve sorriso.





— Tá tudo bem? — Se recordara bem, o comportamento da menina se assimilou à última vez que visitou sua moradia natal no continente de Alola. — Parece até que você viajou e não pretendia voltar.





— Ah, eu só estava pensando em algumas coisas. — O tranquiliza, com um semblante não muito transparente. — Não era nada demais.





— Eu sou um bom ouvinte, sabe muito bem disso. — Vangloria-se com um enorme sorriso.





— Não é nada tão preocupante mesmo — Sorri em resposta. — Obrigada, Kai.





Antes do rapaz responder, são interrompidos pelas gostosas e volumosas risadas de Yuuta e Ayane, em assentos um pouco mais à frente. Kai não notou, mas o rosto de Anne demonstrou um involuntário descontentamento com tamanho humor provocado entre ambos.





Com sinceridade, nem mesmo ela conseguia explicar por que se alterara com a diversão alheia. Considerava muito seu amigo e amiga e, também, nutria de forte respeito por ambos — ainda se sentia realizada e tranquila por Ayane ter sido encontrada com saúde. Entretanto, por outro lado, algo formigava em seu interior quando estes momentos privativos entre ambos se denotavam à sua presença.













— O que eu não consigo entender é o nível de padrão nesses “enigmas” que você supôs aqui.





O garoto de óculos analisava, com um livreto aberto sobre seu colo, algumas anotações recentemente anotadas que, de fato, não assimilavam em nada com o que gostaria de entender.





— E você acha que eu entendi? — A feição de Jill não mostrava satisfação em respondê-lo. — Eu nem sei por que diabos estou falando disso com você.





— Eu estou muito interessado em conhecer essa Torre do Relógio. — Ignorando totalmente a ligeira revolta da moça, torna a escrever algumas anotações.





— E eu adoraria apontar o caminho para você, se ela ainda existisse.





— Ué, mas não se trata de um monumento histórico da cidade? — Indaga, um tanto curioso.





— Pergunta para ele ali. — A mulher aponta à criatura confortavelmente deitada nos outros dois assentos.





— ... STARS? — Distrai o olhar culpado em outra direção.





***





— Ai, Yuuta! — Secando os olhos marejados de tanto rir, Ayane não podia ostentar de um semblante mais risonho. — Chega, eu não aguento mais!





— Não, mas tem mais uma! — Rindo também, o menino tenta falar entre engasgos ao se recordarem das piadas que traziam.





— Sério, eu preciso respirar — Suspira após mais risos — Preciso respirar um pouco, guarda elas um pouquinho, ok?





Gradativamente, cessam a crise de risos, dispondo apenas de semblantes com as arcadas ligeiramente doloridas de tanto degustarem do bom humor. Por fim, se encararam, ambos um tanto sorridentes.





— É muito bom que pude voltar a ter esses momentos com você. — Naturalmente, Yuuta sussurra mais alto do que sua imaginação agradecida poderia constar.





— Hm? — A menina direciona o olhar ao menino.





— A-Ah, eu disse que é muito bom podermos viajar juntos de novo, depois de tudo o que aconteceu. — Corrige algumas expressões, ligeiramente envergonhado.





— Eu também acho. — Sorri simpaticamente.





Era impossível não se afeiçoar aos pequeninos lábios de Ayane quando se abriam para o deslumbre de seu gesto tão natural. Às vezes, Yuuta se pegava admirando por mais tempo do que devia — mas isso ele já estava careca de mentalizar e tentar disfarçar, ao menos.





— Fico muito feliz de estar aqui com todos, especialmente com você. — A suave voz da menina invadiu seus pensamentos, o que o fez arregalar os olhos de surpresa.





— So-Somos dois, tenha certeza disso! — Em um tom de certeza, ainda tropeça em seu rubor aquecido em suas bochechas.





— Eu quero saber qual é dessa piada tão engraçada mais tarde, só para constar! — A voz ligeiramente rouca e interessada do motorista ressoa até o recinto.





— Pode deixar! — Yuuta responde no mesmo tom e volume.





— Vai, seu bobo! — A feição serelepe de Ayane tornou a contagiá-la. — Você deve estar descontrolado de tanto se segurar para contar a próxima, vamos ver se é tão boa quanto as outras!













Longe das piadas de cunho infantis e dos assuntos corriqueiros da adolescência, o diálogo entre adultos rendia a todo vapor na cabine à frente do ônibus. Ao embalo da sugestão musical de Oliveira e suas preferências latino-americanas — em total apreço pela, em sua opinião, saudosa Jennifer Lopez — até mesmo um tabuleiro de xadrez se fazia presente sobre o parapeito do painel frontal do veículo.





— Hm, parece que você sabe muito bem o que fazer com a sua rainha. — Pether, em um rápido relance dos olhos até o tabuleiro, volta a se concentrar na estrada após realizar seu movimento.





— Ah, é que você bobeou nas últimas duas rodadas. — Carlos ri de leve enquanto analisa a última jogada do homem.





— Não estava me referindo à essa rainha. — Com um sorriso de canto, o outro entende a mensagem sem hesitar.





— Ah, ela não é a minha rainha, cara. — Suspira, com um ar modestamente engraçado. — Poderia, mas não acho que ela seja a rainha que precise de um rei.





Após breves segundos em curtição da música, apenas, Oliveira realiza sua jogada. Enquanto isso, Pether retira um cigarro de seu maço contido no bolso após finalizar seu assovio em contraste com a melodia. No gentil gesto de oferecer um ao parceiro, este o recusa.





— Até porque você tá mais para cavalo, convenhamos. — Pether deixa escapar uma risadinha provocadora.





— Ei, qual é? — Ri também. — Antes ser o cavalo do que essa torre velha e esquecida no tempo.





— Ao menos eu não a perdi nesse exato momento. — Após acender seu fumo, derruba a peça inimiga com seu movimento.





— Eu diria que você tem um ponto, mas não estamos jogando damas.













A viagem seguiu tranquila e uniformemente até a primeira parada para reabastecimento — considerando que Jill teve que aguentar Neil e suas questões relacionadas ao tramite enigmático que enfrentou ao deixar a cidade que agora estava regressando e Anne com seu olhar fatiado e atento ao diálogo incessante da dupla mais à frente.





Após estacionar no posto de combustível, o anúncio de Pether para a deixa de minutos para o banheiro e outras necessidades quase foi atropelado pela euforia de muitos ao descerem do veículo.





— Ah, isso nos faz lembrar a última vez em que estávamos juntos assim — Yuuta, ao descer do veículo, é agraciado pela brisa noturna. — Em viagem.





— Deve ter sido maravilhoso! — Ayane desce em seguida, em concórdia com o garoto.





— Bom, tirando o fato de que estávamos numa van que não tinha um terço do tamanho deste ônibus, estava uma maravilha mesmo. — Diz Kai, rindo um bocado.





Em seguida, Anne e Neil deixam o ônibus, sem muito entrosamento. Por um lado, era aceitável que Neil não demandasse de muita comunicação — a julgar que seu andar apertado e apressado significava que era o mais agradecido pela parada. Por outro, a falante e revigorada garota entrar em silêncio absoluto e só responder com algum monólogo quando a questionavam foi um fato de estranhar até a feição dos presentes, inclusive Yuuta, quando pausou a tagarela com sua amiga e a percebeu.





— Ah! — Carlos se espreguiça com gosto ao sair. — E aí, Jill? Curtindo a viagem?





A referida apenas o encara com uma sobrancelha arqueada.





— Qual é? Há quanto tempo que você não toma férias para isso? — A concede alguns tapinhas carismáticos em seu ombro.





— O garoto não parou de falar por um segundo. — Diz, a ponto de arrancar seus cabelos. — Quer trocar de lugar a partir de agora?





— E você vai aguentar o Pether? — A encara com um sorriso.





— ... Pff, fica para você. — Embora irritada, deixou vazar um sorrisinho sarcástico.





O tempo para a parada seria necessariamente curto, de acordo com quem o estipulou. No entanto, uma máquina de prêmios soou conveniente até demais para os olhos raramente brilhantes de Pether.





Enquanto isso, Carlos ria aos montes dependurado em um telefone público — sabe-se lá quem era o falante do outro lado da linha e o motivo para tanta graça. Jill, indiferente e recostada no ônibus, brincava sem muita ênfase com seu kit de gazuas.





Após Ayane pedir um tempo para comprar alguma recordação na loja de conveniência, Neil e Yuuta tentavam, sem muito sucesso, dedicar alguns minutos de suas atenções para essenciais boas maneiras de Totodile. Pelos ferimentos que ganhavam em seus braços e bochechas, a insistência não perduraria muito.






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Bem mais à frente, Anne compartilhava serenidade deitada ao gramado orvalhado à sua disposição. Sem muita pretensão, desenhava — imaginativamente — as constelações que conseguia localizar no manto estrelado acima de sua presença.





Após um pesaroso suspiro, pode concluir que as coisas não demandavam de como ela esperava. O que era terrivelmente estranho, pois o seu dia tinha sido maravilhoso e a viagem ao lado de seus amigos e do próspero aniversariante estava inigualável.





— Parece até que estamos em um dejá vù aqui, não é mesmo?





O tom levemente bem humorado de Kai a faz desviar seus olhos até encontrar a presença do falante.





— Posso?





Sem cerimônia, acatou o convite do rapaz em desfrutar da natureza com ela. Ambos continuaram o tranquilo embalo na noite tranquila — constantemente melódico com distantes pios e farfalhares noturnos, certamente de algum Hoothoot ou Noctowl.





A garota hesitou um bocado em sua pergunta, encarou o rapaz sentado algumas vezes e, finalmente, se levantou.





— Kai, posso te fazer uma pergunta?





— Você fez. — Ri de leve. Anne não ostentou do mesmo gesto, mas seu semblante se rendeu ao questionável senso de humor do amigo. — Claro que pode, nem precisa pedir permissão.





— Como eu sei quando- quando eu, hã, como eu posso dizer isso?





A embolação e a gagueira incomum da ruiva fizeram com que Kai a estranhasse por ora, embora quase deixou escapar uma risadinha.





— Você quer que eu te recomende um fonoaudiólogo, é isso? Não se preocupe, isso pode acontecer com qualquer um.





— Não é isso! — Exclama, um teco alterada. — É só que eu não sei como dizer isso.





— Tem a ver com seu comportamento estranho desde quando saímos em viagem?





— Eu não sei! — Exaspera com as mãos no rosto. — Justo eu, que queria a melhor experiência para todos, juntos aqui, não sei por que me sinto assim!





— “Assim”?





— O Yuuta — Faz uma breve pausa. — E a Ayane. Eu os admiro muito, mas parece que, quando estão juntos, sei lá.





Confuso com as palavras da ruiva, entretanto não com a situação que desconfiava compreender, Kai abraça o ombro da garota.





— Tipo quando estão assim?





— É, parece que vieram grudados durante todo o caminho da excursão. — Um pequeno grau de desaprovação emanou de sua fala. — Eu sequer pude falar com ele por mais de um minuto.





— Ora, mas então você tá com ciúmes dele, ué! — Ri, despreocupado.





— Hein?





— Muito bem! — O anúncio de Pether em um megafone cobriu a atenção da região. — Todos para dentro desse ônibus, vamos partir em menos de dois minutos!













ATO 7: A CIDADE DO (G)UARDA-CHUVA!





O restante do percurso contou com menos tempo do que o anterior — talvez foi cumprido com um considerável ganho em comparação ao que o GPS apontava, dado o aumento de velocidade na empolgação da dupla à frente do veículo.





Com isso em mãos, transitavam por uma via única em contraste com nada além de um plano terreno gramado. Não tardou muito para ultrapassarem uma placa levemente enferrujada transmitindo as boas vindas à cidade de Raccoon, lar da Umbrella Corporation.





— A fama dessa cidade se sustenta em ser reerguida mais vezes do que Petrópolis, não é? — Com um mapa gigante escorado em seu colo, Pether tentava se guiar enquanto dirigia.





— Não sei, eu só estive aqui uma vez. — Carlos dá de ombros. — Pergunta para a — É brutalmente interrompido quando a porta da cabine é aberta às pressas.





— SENHOR, NÃO PEGA A AVENIDA PARA A TORRE DO RELÓGIO!





Após o grito histérico de Jill, os dois homens se entreolham com confusão em seus semblantes.





— E por que eu faria isso? Nós vamos para o outro lado da cidade. — Responde o motorista, simples. — Maluca.





— Até parece que não conhece o lugar onde mora, hein? — Ironiza o outro, com um sorriso de canto.





— Disse o que levou quase meio dia para encontrar o hospital referência daqui. — A moça retruca com sarcasmo.





— Ao menos eu sei me localizar em uma cidade de duas ruas e dois becos que — É interrompido mais uma vez.





— Olha, vocês poderiam resolver suas diferenças quando estiverem lá fora, que tal? — Sugere Pether, ligeiramente incomodado.













Quase beirando à meia noite, a trupe finalmente consegue beijar o chão asfaltado após chegar ao seu destino — por alguns inconvenientes depositados em culpa ao GPS. Entregues à Pousada da Maçã, não teria muito o que ser feito ao resto desse dia — visto que a maior parte da cidade se recolhera em um angustiante silêncio.





O trio de residentes nativos se dirigiu ao Bar do Jack, não muito distante dali, a fim de afogarem suas mágoas e sorrisos em uma desmedida sessão de bebedeira — o que, inesperadamente, se tornaram um quarteto com o auto convite de Brad Vickers. De acordo com o outro membro dos S. T. A. R. S., ele morreria por uma bebida, literalmente.





Não muito distante dos demais, Kai optara por relaxar-se em sua imaginação convidativamente fértil ao lado das brincadeiras ingênuas de seu Poliwhirl — que finalmente pudera ser liberado a troco de apreciar o sereno.





Enquanto isso, Ayane e Anne, no estacionamento da pousada, jogavam conversa fora. Quanto “conversa”, poderia se presumir que o tempo de fala de uma era consideravelmente maior do que o da outra — o que soava controverso no momento, dado que a garota ruiva sempre conquistou esse título.





— Mas, com certeza, isso vai ser muito divertido! Para todos nós, eu espero! — Ayane comenta com um sorriso recompensante.





— Ah, é. Vai, sim. — A outra disfarça com um meio sorriso, procurando algum motivo para depositar seu olhar, ainda que vago.





— Já pensou em quais serão os futuros amigos da Muma? — Indaga, ansiosa. — Eu acho que a personalidade dela agrada a qualquer um, não deve ser nem um pouco difícil fazer novas amizades.





A razão por tanta inquietude de Anne se baseava em, involuntariamente, encontrar os olhos de Yuuta em algum momento. Entretanto, pode constatar que o papo com Neil um pouco mais à frente estava animado demais para obstruírem suas atenções.





— A Muma deve ficar bem ao lado de qualquer um, sim. — Responde, após perceber que demorou um bocado para tal.





— Anne, você tá bem?





A questão em pauta a fez se sentir um bocado acuada. Sem querer, entregou o seu olhar ligeiramente atordoado por suas razões confusas e que julgava desnecessárias para o momento.





— Nunca estive tão bem, na verdade. — Sorri, recompondo-se. — Acho que é a emoção de saber que o aniversário do Pether finalmente chegou.





Ayane não contestou, preferiu corresponder o gesto sorridente em prol da melhoria significativa no semblante da menina. Todavia, não conseguiu deixar de reservar alguns segundos pensativos em virtude do comportamento recentemente alterado de sua amiga.













— Isso me fez lembrar daquele dia que fomos ao Burger Slowking — Inquire Neil, com um olhar nostálgico. — Tinha um sujeito lá que não parou, por nem um segundo, de cantar a atendente no balcão.





— Pô, eu me lembro muito bem disso! — Yuuta responde, seguido de boas risadas. — Algumas das cantadas eram péssimas, mas outras mostravam que ele estava se esforçando, né?





— Se aquilo é esforço, eu sou agradecido por continuar na inércia. — Apesar do tom ligeiramente sério, uma mescla de humor continuou entregando risos ao companheiro.





— A gente tem que repetir isso mais vezes, foram momentos muito bons. — Comenta o garoto, espreguiçando-se ao elevar seus pés ao máximo de sua altura.





— Isso se você não ficar por um mês ou mais de castigo por ter levado uma suspensão. — O rapaz de óculos deixa escapar um risinho provocador.





— Minha mãe não chegaria a esse ponto, também! — Mesmo que incrédulo com a possibilidade, Yuuta refletiu sobre ela por um breve instante. — Ou será que chegaria?





— Olha, eu não duvido de nada da senhora Kazami. — Kai, atento ao diálogo desde o início, intervém de onde estava. — Correm boatos de que, uma vez, ela deixou o Yuuta no fundo de um poço por três dias seguidos por não ter feito o dever de casa!





— E quem te chamou na conversa, hein?! — Invoca o vitimizado.





— Eu diria que você se “apoçou” de uma depressão muito profunda, meu caro Yuuta. — Não se dando por gente, Neil embarca na gozação com o fato dito pelo outro.





A feição levemente irritada e com risos forçados do menino contribuiu ainda mais para as gargalhadas da dupla.





Por uma fração de tempo irrisória, as exclamações contagiantes embaladas entre risos das garotas mais à frente conseguiram calar o trio.





— Até há pouco tempo, a Anne mal abria a boca para responder qualquer coisa. — Comenta Neil, um tanto impressionado.





— Garotas. — Suspira Yuuta, ligeiramente mais satisfeito pelo clima amistoso em sua visão. — Que mundo estranho.





— Eu devo dizer de novo que o nome dela é — O nerd é interrompido.





— Não!





Tal presença de cenário tão cativante e despretensiosa levantou questionamentos mentais que Yuuta demonstrou a necessidade de compartilhá-los por seu semblante ansioso.





— Aliás, o que faria vocês se apaixonarem por uma garota?





— Seja mais específico. — Metodicamente, Neil empurra a armação de suas lentes ao encaixe de seu rosto pela enésima vez.





— Tipo, o que ela tem que ter ou demonstrar para gostar de verdade dela?





— Hã, isso é uma questão bem acirrada. — Continua o outro, após alguns passos aleatórios acompanhando o frescor da noite e a lenta valsa estrelada no céu.





Claro que seu vasto conhecimento em determinados assuntos onde seu raciocínio impecavelmente veloz não poderia compensar por tudo. Com uma engasgada aqui e ali, a resposta que preenchia a dúvida do amigo custou a existir.





— Bom, ela tem que ser muito sincera, para início de conversa.





— Ah, isso é um bom ponto. — Yuuta sorri. — Confiança em uma relação é a base de tudo, né?





— Creio eu que sim. — A vasta experiência em questões amorosas totalmente explícita no semblante de Campanella não reforçou muito seu argumento. — Ah, e, também, tem que ser inteligente. Não a ponto de vencer uma disputa de cálculo hexadecimal com um supercomputador, mas ter boas linhas de raciocínio e pensamento lógico.





— Hã, ok? — Apesar de estranhar a conclusão tão definitiva e específica do sujeito, não desfez o ar divertido em sua voz.





— Claro que se ela tiver belos olhos verdes e não tiver um complexo de não-me-toques, seria excelente. — Conclui Neil.





— O que seriam esses não-me-toques? — Kai retorna até o grupo de amigos, ao lado de seu Pokémon.





— Ah, quando a menina é perfeitinha demais, sabe? — Os demais expressam com um longo “ah” em concordância. — Aí, ninguém aguenta.





— Para mim, ela tem que ser extrovertida e compartilhar de uma boa ironia. — Continua o rapaz de dreads, com um sorriso positivo.





— Para conviver com você, seria uma briga e tanto. — Neil não se surpreende. Todavia, compreendeu o ponto do colega.





— O Kai é irônico? Nunca havia percebido. — Yuuta dá de ombros, rindo em seguida.





— Mas e você, Yuuta? — Inquire Campanella. — Que tipo de menina você gosta e por que a Ayane?





Quase engasgando com o ar, o referido o encara com incredulidade.





— Ué, que tipo de pergunta é essa? — Nitidamente um rastro de suor frio desce por seu pescoço.





— Sua hesitação em falar já me respondeu. Muito obrigado! — Sorri.





— E-Eu não falei nada! — Se defende, sem firmeza na voz. — Além disso, a Ayane e eu somos melhores amigos, tá bom?





Kai quase se pronunciou com um comentário transbordado de ironia, mas um lapso instantâneo de realidade o atingiu com recentes lembranças a respeito da difícil e compreensiva situação de Anne com relação ao jovem em pauta.





— Tô sabendo. Tá tão na cara que você tá a fim dela, e não digo isso pelo rastro de baba que deixa por onde passa — Neil se interrompe pelos próprios risos.





— Ah, vai se ferrar! — Levemente ruborizado, adquire consistência em sua fala para encerrar com o assunto.





— Eu acho que você deveria se declarar para ela antes que seja tarde, vai que o Kai também se interesse por ela.





— Hein? Por que eu? — Alega as mãos em defesa, descrente. — Por que não você?





— Porque todas te querem, isso é lei. — Retira seus óculos para uma superficial limpeza.





— Ei! Vocês vão ficar por quanto tempo aí?! — Logo, a voz de Pether ressoa até o ambiente em que situavam. Numa breve encarada, o observam chacoalhando as chaves dos quartos em sua mão. — Eu não vou chamar de novo!













ATO 8: UM (H)OMBRE LLAMADO CUMPLEAÑERO!





— Cara, você vai comemorar um aniversário de jaleco? — Indaga Kai ao terminar de vestir sua regata preta, nitidamente incomodado com o fato.





— Ué, o que tem? Pelo que eu sei, parece que essa regata nasceu colada em você. — Neil dá de ombros.





Ademais, a porta do banheiro se abre e a revitalização de Yuuta é aparente após a densa névoa de vapor exalar do cômodo.





— Ah, agora sim! — Exclama com um sorriso. — Vocês já estão prontos?





— Esse era o ponto. Nós sempre nascemos prontos. — Neil aponta ao seu jaleco e às vestimentas do moreno, respectivamente.





Entendendo o padrão, o outro riu com o comentário. A seguir, depositou seus óculos escuros na gola de sua camiseta preta, sem regalias ou estampas.





— Esse Pether não parece ser do tipo que adora comemorações, né? — Pergunta o menino.





— Não. Eu fico pensando no que se passou pela cabeça da Anne em ter essa ideia. — Kai comenta, suspirando em seguida. — Eu poderia estar esquecendo meu Poliwhirl em outro Day Care por aí e- não, pera um minuto.





— Ah, eu dou um crédito. — Diz Neil ao levantar-se de sua cama e ajeitar sua principal peça complementar de roupa em seu corpo. — Embora esteja fazendo isso mais pela Anne.





— Hm, a Anne? — Kai sorri de canto. — Desde quando você ficou sabendo que ela tem umas coleiras em casa, tá todo assanhado, né?





— Hein? Eu nunca soube disso! — Defende-se com extrema sinceridade.





— Vai que é tua, Neil! — Yuuta vibra entre gostosas risadas.





— Cuidado com a concorrência, hein, Yuuta? — Kai inquire com certa persistência. — A Anne te olha com tanta frequência, vai que — Evita de completar.





— A Anne? Ah, não. — Diminui a intensidade dos risos. — Sem chance da Anne, aquela que conhecemos, se apaixonar por alguém. Ainda mais por mim.





A significativa e culpada revirada de olhos do moreno fez com que os outros dois empalidecessem seus semblantes.





— Não.





— É.





— Não pode ser.





— Pois é.





— A-





— Anne.





— Cara — Perplexo, Yuuta se joga no colchão. — Como? Você falou com ela? Ela disse nessas palavras?!





— Ei, calma aí. Eu não sou um garoto de recados. — Diz Kai ao abrir a porta do quarto. — Eu só notei que ela estava estranha desde que partimos em viagem. Conversamos e ela conseguiu desabafar com muito custo.





— Isso explica o silêncio tão repentino dela. — Pontua Neil, orgulhoso de ter dito algo tão óbvio.





— Mas, eu — A confusão do rapaz é interrompida.





— Depois você resolve isso, cara. — Convida todos com um gesto com a mão para saírem do quarto. — Vamos logo que eu quero saber sobre a variedade de tacos daquele lugar!













— Prontinho. — Anne sorri ao ajeitar, por fim, o chapéu de sua amiga ao espelho.






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— Obrigada, mais uma vez. — Ligeiramente envergonhada, Ayane retribui o gesto com honestidade.





A garota ruiva já tinha a acompanhado em sua busca por vestimentas adequadas há um bom tempo, entretanto, dadas às condições, reparou o quão exuberante estava com seu conjunto de cores claras e veranis — aparentemente, muito mais que da última vez.





— Será que os garotos já estão prontos? — A tentativa de puxar assunto pela outra retirou Anne de seu transe levemente desapontador.





— Ah, se não estiverem dormindo, eu não digo nada. — Ri de lábios fechados.





Adiante, retirou seu celular do bolso de seu shortinho alaranjado e checou as horas. Ainda estavam dentro do prazo estipulado, ao menos.





Checou suas madeixas ruivo-areias mais uma vez, talvez para reforçar seu senso de segurança levemente desestabilizado perante Ayane. Não que não tivesse se dedicado a estar apresentável perante os demais, mas seu conjunto de regata, shorts e tênis pareciam pecar em algum aspecto depois da reluzente garota à sua frente.





— Anne?





O chamado sutil de Ayane a direciona até o seu olhar decidido, embora mesclado pelo mesmo medo que Anne conseguia captar e compreender muito bem.





— Hm?





— Eu- Eu espero que ele corresponda aos meus sentimentos. — Assim que diz, reúne as mãos rentes ao seu peito e abaixa a cabeça gradativamente.





Diante de todas as coisas que a ruiva poderia ter dito, expressado ou enfatizado, estendeu um tristonho sorriso consigo mesma. Não teria motivos para sustentar sua confusão e seu desequilíbrio emocional por conta de algo que, agora, tem ciência.





A seguir, caminhou até a tímida garota e levantou sua cabeça com o indicador. Com a feição mais acolhedora que conseguiu esboçar, a apaziguou com vontade.





— Eu também, Ayane. Eu também.













— Hm, deixa eu ver. — Com um cardápio em mãos, Pether o analisa minuciosamente.





Sua feição de desgosto era evidente perante a lista e os preços. Enquanto isso, os demais aguardavam, intercalados entre semblantes ansiosos para adivinharem o seu pedido, incrédulos com tamanha chatice ou indiferentes com toda a situação.





— Guacamole, não. Da última vez, eu fiquei três dias no hospital devido à alergia generalizada que tive. Burritos, também não. Me dá gases e indisposição.





— A gente não tem pressa se você for descrever o cardápio inteiro e seus efeitos colaterais para a gente, cara. — Jill suspira, o encarando com certo nojo.





Reunidos no Restaurante Pé de Guaxinim, um ícone memorial da cidade de Raccoon, o aniversário de Pether seria marcado por comida mexicana — na qual, ironicamente, ele mesmo detesta —, muita diversão e, possivelmente, alguém se engasgando com pratos apimentados demais.





A forte decoração trabalhada na madeira e nas cores fortes e vibrantes como o vermelho e dourado, o estabelecimento resumia toda sua tradição em pequenos detalhes como miniaturas de vestimentas e monumentos do país, condimentos típicos e, especialmente, a condição dos clientes trajarem um sombreiro durante suas refeições.





— Olha, já que ele não se decide — Kai levanta a mão. — Eu sei muito bem o que quero! Garçom!





— Que falta de educação! — Reclama Yuuta. — Nem para deixarem o aniversariante escolher o primeiro prato!





— Ah, convenhamos que ele está sentado aí tem 20 minutos e não conseguiu se decidir nem qual será a bebida. — Diz Neil, enquanto dança alguns palitinhos sobre a mesa.





— Não, sem pressa — Retruca Jill. — Até porque o dia é dele mesmo e — Seu semblante se incomoda bruscamente a cada fungada recebida em seu cangote. — Dá pra você parar de fungar?!





— ... stars. — Amuado, Nemesis se encolhe em seu cantinho.





— Eu tô com o rapazinho ali! — Carlos se refere a Kai e ambos sorriem. — O aniversário é dele, mas o estômago é de geral! Pode começar trazendo essa porção de burritos de carne-seca aqui!





— Ah, eu não ligo se pedirem um suco, um prato ou um boi antes de mim. — Pether dá de ombros, até dar falta de um, ou melhor, dois detalhes importantes à mesa. — Ué, cadê aquelas duas?





— Saíram tem algum tempinho, acho que vi elas entrando pela porta da cozinha. — Diz Brock, logo atrás de Pether.





— ... Já se passaram sete anos e você ainda consegue me assustar com isso! — Exclama o homem com o coração disparado.





— ... Desculpe, é força do hábito. — De repente, desaparece.





— E para completar, me traz uma porção extragrande desse chilli com queijo! — Pela expressão de olhos arregalados do garçom, a lista de Carlos não tinha um curto comprimento. — Se possível, com esse creme de malagueta em dobro!





— Esse suco de graviola e maracujá parece ótimo, eu necessito de uma jarra! — Intervém Kai, apontando ao respectivo item no cardápio.





— Como você nem sabe se é bom e já pede uma jarra? — Pergunta Yuuta, com certa desaprovação em seu olhar.





— Então, eu — Antes que continue, é interrompido pelo escancarar da porta citada anteriormente.






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O ambiente é consumido pelo estrondoso som de um piano de sala, o qual logo reparam que vinha sendo transportado vagarosamente por um carrinho ergonômico.





O pianista, acompanhado de Anne e Ayane, não media esforços para dedilhar sobre as teclas para realçar a típica melodia intitulada como La Cucaracha.





— LA CUCARACHA! LA CUCARACHA! — Em uníssono, o nada simpático e afinado coro musical da dupla de meninas é transmitido com vigor e felicidade ao recinto. — YA NO PUEDE CAMINAR!





Ambas com auxílio de uma das mãos, carregavam um bolo que, cujo destaque eram as velinhas em formatos semelhantes à pimenta, levam os espectadores da cena ao delírio bem-humorado. Com a mão livre, chacoalhavam, com ritmo, suas maracas.





— PETHER ES ABURRIDO, PETHER ES UM BUEN AMIGO! — Finalmente, se aproximam do aniversariante. — QUE NADIE PUEDE NEGAR!





Larga vida al Pether! — Instintivamente, Carlos se pronuncia em alto e claro som. — O quê? Eu conheço o espanhol e o português como a palma da minha mão!





— Isso foi — Logo, o senhor Morgenstern começa a rir. — Tão bom quanto essa minha camisa temática ao México! — A ênfase no sotaque latino-americano no final de sua frase não soou tão bem pronunciada, mas manteve o clima divertido aos demais.





— Imagina, você tá arrasando o quarteirão com essa camisa, cara. — Ri Yuuta, ainda deslumbrado com o show que presenciara. A ideia realmente tinha caminhado por um longo trajeto até onde chegaram.





— Já que é para parabenizarmos em línguas nativas — Kai se pronuncia. — Lana koʻu manaʻo e make ʻoe!





— E o que isso significa? — Pergunta Neil.





— Espera. Frase errada! — Sorri, envergonhado. — Hauʻoli Lā Hānau, Pether!





Hauʻoli Lā Hānau

Do havaiano: Feliz aniversário




— O crédito vai totalmente para a Anne. — Ayane sorri, ao depositarem o bolo sobre a mesa. — Feliz aniversário, Pether!





— Eu deveria imaginar que você me surpreenderia do início ao fim, mesmo eu sendo um chato de galocha. — O homem sorri à ruiva, nitidamente agradecido.





— Hoje, você deve falar “aburrido”, significa a mesma coisa. — Anne ri ao próprio comentário e expressa todo o contento pelo agradecimento do aniversariante em seu olhar brilhante.





— Ok. Aburrido. Assim? — Expressa um semblante ligeiramente divertido.





— Muito melhor! — Exibe um sinal positivo com o polegar e uma piscadela.





— Como se diz “Você é doida” em espanhol? — Pergunta com uma considerável alfinetada na ponta da língua.





— Não faço ideia. — Sorri. — Mas quem sabe no próximo ano eu não te respondo?





— Eu mal vejo a hora de chegar, nesse caso.






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Subitamente, Pether é surpreendido por um forte abraço da mocinha. Por ora, abandonou o seu indeciso cardápio e correspondeu o gesto aos poucos, até sentir toda a ternura expressada por Anne em estar presente, com ele, neste dia que nem mesmo o considerava muito, até uma nova concepção.





— Feliz aniversário, meu diretor favorito e meu amigo que jamais esquecerei.





— Ei, ei. Não vamos fazer disso uma cena emotiva. — A aperta com um pouquinho mais de força. — A comida apimentada já vai fazer isso por nós.





Lentamente, se desvencilham do gesto. Anne enxuga algumas lágrimas involuntárias de seu rosto e esboça mais um sorriso.





— Você tem razão.





— Agora, já que você não pediu nada, que tal cortar o bolo ao menos? — Sugere Jill, com um sorriso irônico.





— Pois eu tenho o pedido perfeito em mente! — Manifesta com uma mão ao alto. — Meu consagrado, se aproxime!













— Eu queria saber por qual motivo eles se encaram tanto antes de jogarem uma carta. — Ayane cochicha para Anne ao seu lado, a qual dá de ombros com um breve riso.





Sobre a mesa, outra pilha de cartas, acompanhadas por quatro canecões de cerveja e uma travessa consideravelmente enorme de batatas-fritas. Além disso, a tensão e os olhares acirrados — embora com toques divertidos — eram, em disparada, o foco que os demais reparavam.





— Vai, Carlos! — Kai exclama com gosto após rechear a boca com uma generosa porção de batatas. — Você consegue, hombre!






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— Essa aqui tá no papo, manito! — O referido sorri em resposta, exibindo sua mão de cartas ao moreno que, inicialmente, não entende bulhufas.





— Humph. — Jill bufa, ligeiramente desconfiada. — Pether, o que você tem aí?





— A mesma coisa que as três rodadas anteriores: nada. — Suspira, dando-se por vencido após um gole benevolente de sua bebida.





— A dupla que perder paga outra porção, é isso mesmo que eu ouvi?! — Yuuta brada ao se levantar, com uma expressão animada.





— Que a próxima seja de cebola empanada, nesse caso. — Ayane cruza os braços, convencida.





— Credo. — Neil esbanja de uma feição enojada. — Seu nome tinha que ser Ayane mesmo.





Sem entender, a menina observa os demais rapazes aos risos. A certo ponto, questionou-se consigo mesma se seu visual chamara a atenção de seu alvo — pode constatar um meio termo, dadas as vezes em que Yuuta a admirava por um longo período e sorria em resposta ao seu tímido olhar.





— E você, ô, grandão? — Carlos aponta com a cabeça. — Algo de bom para essa rodada?





— S... TARS. — A grossa voz da criatura correlaciona-se com seu leve chacoalhar da cabeça em negativa.





— Ah, não faz mal. — Sorri em retorno. — Aliás, esse sombreiro caiu bem em você, hein?





— Eu me pergunto o que ele é. — Comenta Yuuta. — Nem faço questão de saber como chegou até aqui e, sim, apenas que alguém me explique o que ele vem a ser.





— Calado! — Pether manifesta-se antes de realizar sua jogada. — Necessitamos de concentração nesse jogo extremamente frio e calculista.





— É truco! — Oliveira se pronuncia após a jogada do companheiro anterior.





— SEIS! — Jill agride a mesa com um tapa que traz alguns pulinhos involuntários dos demais.





— Hã, seis? — Carlos sorri forçado.





— Já vi que essa porção de couve-flor à milanesa vai demorar para sair. — O rapaz de dreads debruça sobre a madeira e acompanha o jogo com o olhar deitado.





— Oi? — Anne pisca os olhos algumas vezes, tentando nutrir o que compreendera. — Couve-flor à milanesa?





— Não sabe o que tá perdendo. — Responde com a voz convidativa ao prato mencionando, o que lhe rende água na boca.





— Eles sabem o que estão perdendo. — Neil aponta ao quarteto. — O jogo.





— ... Droga. Perdi. — A frase é dita em uníssono pela maioria presente.













ATO 9: ONDE QUER QUE ESTEJA,
EU (I)RIA POR VOCÊ





Horas mais tarde, de volta à pousada, as reclamações de determinadas jogadas e a falta de sorte foram os assuntos predominantes entre os jogadores de cartas. Enquanto isso, os demais adicionavam algum comentário provocativo que enfatizasse a discussão com mais chamas.





A ponto de explodir, Kai foi o primeiro a se dirigir ao seu quarto após se despedir do restante — e prometeu, mentalmente, nunca mais exagerar na comida mexicana. Neil não ficou muito atrás, dado o forte aroma de fritura em seu preciosíssimo jaleco. Teria que dar um jeito nele ainda na mesma noite, custasse o que custar.





Ainda com muita disposição e com um semblante estridente, Anne acompanhou os adultos e, especialmente, a criatura monstruosamente simpática que foi presenteada com o sombreiro pela casa, em outro canto mais distante reservado aos fumantes para tagarelarem à vontade.





Não muito distante, Yuuta e Ayane conversavam tranquilamente sobre os ocorridos do dia e o quão divertido estava para ambos.





— Eu- eu, IC, acho que bebi demais! — Em um soluço atrás do outro, Carlos quase se entrega ao chão em uma pisada em falso.





— Grande Carlos, quem te viu, quem te vê com seus facões, não é mesmo? — Pether ri, o acompanhando com os olhos na direção da entrada do hotel.





— Eu também te, IC, amo, Pether! — O exibe um degenerado gesto com os dedos, de costas a ele.





— É melhor que eu guie esse imbecil até o quarto. — Jill descruza os braços e caminha no mesmo trajeto que o bêbado. — Carlos, calma aí. Sossega aí um pouco.





— Cuidado! Aquela lixeira pode ter um ninja! — A voz de Carlos alerta o incomum perigo previsto por seus sentidos totalmente descalibrados.













— Vocês duas devem estar bem cansadas, né? — Yuuta pergunta. Ayane assente positivamente. — Todo o trabalho que tiveram para esquematizar tudo isso, eu confesso que fiquei bem surpreso.





— Gostou?





— Sim, gostei. — Ri de leve. — Imagino o que fariam no meu próximo aniversário, inclusive.





— A base da ideia será surpreendê-lo, não? — Concede um gentil sorriso.





— Claro, claro. Até porque seria bem estranho uma surpresa esperada, né?





Ambos riram com vontade. Na verdade, desde o início da conversa, os comentários nem carregavam tanto tom humorístico e, sim, a sinergia de terem se contagiado com o clima de festa os deixou ligeiramente abobados.





Até que, em determinado momento, a garota retira seu chapéu — apesar do requinte, aquecia sua cabeça consideravelmente.





— Esse chapéu ficou muito bonito em você. — O comentário de Yuuta a preenche interiormente com o que tanto desejava. — Quer dizer, o visual completo. Mas, você entendeu, né? — Ri um bocado, apesar de levemente desconcertado.





— Ah, você achou? — Levanta o olhar ao rapaz com um sorriso magnânimo em seu rosto.





— Sem dúvidas. Não entendo nada de moda, mas acredito que foi uma boa escolha.





— A Anne me ajudou nessa parte. Sabe como eu sempre fui indecisa para essas coisas, né? — Dança com o pé em círculos no chão para conter sua leve vergonha.





— Depende. Aquela jaqueta que me deu, por exemplo, veio inteiramente do seu gosto e me agradou muito. — Sorri.





— A-Ah, é bom ouvir isso mais uma vez. — Sua ruborização não era mais contida por desviares de olhares ou algum trejeito distraído.





— Só que eu não me lembrava de que você se importava tanto com a aparência para um aniversário. — Comenta o rapaz, indicando um semblante que buscava alguma memória relacionada. — Mas, eu sou meio duvidoso para tratar de lembranças, né?





— Não tem problema. Até porque eu- bem, não foi só por causa do aniversário. — À medida que diz, diminui o tom a ponto de sussurrar.





— Oi?













Anne se encontrava apenas com Pether, depois que o monstro de chapéu se retirou lentamente até o estabelecimento. Pela curiosidade estampada no olhar da garota, tentava retirar alguma informação relevante do diretor dos Estúdios MahBoi.





— Vai, só uma dica! — O belisca de leve em seu braço, com um tom extremamente pedinte. — O que custa?





— Não adianta. Você não vai conseguir. — Sorri, triunfante. — E nem adianta fazer alguma visita inesperada, eu estarei muito seguro quanto à essa parte.





— Ah, seu chato! — Apesar da ênfase frustrante, a menina ri em seguida. — Tudo bem, só espero que seja tão marcante quanto da primeira vez!





— Pode levar meses para essa cena ir ao ar, só para constar. — Batuca o cigarro na quinta de uma coluna a fim de retirar o excesso de cinzas. — Mas, creio eu que você vai aguentar até lá.






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— Não tenho alternativa, não é?





— Não. — Sorri.





— Ah, eu prometo aguentar. — Apesar do resmungo, não o infernizaria com tal assunto. — E aí, gostou do seu aniversário?





— Posso dizer que foi um dos mais marcantes na minha vida, no bom sentido. — A encara com uma feição levemente engraçada. — E você sabe muito bem disso, né?





— Aquele sequestro foi descomunal! — Ri com gosto. — Como você fez para tirar o baralho do bolso com a boca? Foi corte de cena?





— Por incrível que pareça, não. — Acompanha a risada da garota. — Desde meus 17 anos, eu treinava muito com isso. Não me pergunte o motivo.





— Sem questionamentos. — Alega as mãos em negação.





— Mas, falando sério — Joga a bituca no lixo. — Obrigado por isso, de verdade. Eu precisava mesmo espairecer com novos ares e não imaginava que uma maluca que quase seria sequestrada poderia me proporcionar isso de uma maneira tão agradável.





— Eu não imaginava que seria salva por meu ídolo cinematográfico, então estamos empatados. — Sorri.





— Isso é verdade. Quantos outros diretores de cinema fariam isso? Eu não conheço nenhum.





Riram novamente. Não tardou nada para o cansaço finalmente dominar a menina em seu primeiro bocejo transmitido.





— Pois bem, eu vou — Ao direcionar seu olhar em outro foco, se interrompe imediatamente.





— Eu vou...?





Mesmo com sono, não poderia considerar tal visão uma miragem. Por um curto instante, perceptível por Pether — o qual segue o olhar da ruiva —, Anne paralisou-se perante à cena.





— Essa juventude de hoje em dia. Tsc. — Pether balança a cabeça em negativa e passa a caminhar. — Ainda bem que estão aproveitando cada momento. Boa noite, Anne.





Não o respondeu, embora desejasse. Nada foi proferido por seus lábios e sequer piscava os olhos consideravelmente como de costume.





Apesar da destroçadora facada no peito, seus olhos — agora possuídos por lentes de contato azuladas — fecham-se por reles segundos e se abrem de novo, majoritariamente marejados.





Por fim, lembrou-se da breve e marcante conversa que teve com sua amiga.





Fora correspondida, afinal.













ATO 10: ISSO (J)Á ME SOA FAMILIAR!





— Pois eu duvido que você consegue ganhar de mim!





— Ah, é? E por que você tem tanta certeza?





— Minha filha, eu já fui considerado como Pether: o peso-pesado mais violento de Seattle!





Mais um dia nascera no tão renomado e sediado nacionalmente restaurante Pé de Guaxinim, recanto escolhido pelo — dentre todos — grupo particularmente chamativo quando o assunto era ser o alvo das atenções, ainda mais pelo dia de comemoração anterior. Era para ser um almoço perfeitamente normal como qualquer outro.





— Muito bem! — Exclama Pether, afastando todos os pratos e tigelas sobre a mesa. — Abram espaço, pois eu vou mostrar a todos do que sou capaz!





— Pff, tem certeza de que quer fazer isso? — Jill solta uma breve risadinha, na esperança de poupar o diretor à humilhação.





— Já tô vendo que isso vai dar merda. — Comenta Kai, sem desprender-se da atenção aos desafiantes do suposto jogo.





— Eles estão nessa ainda? — Ayane se aproxima após voltar do trajeto do banheiro.





— Na mesma. — Murmura Neil, seguido de um pesaroso suspiro. — E olha que só queremos comer.





— E, se eu ganhar, prometo que todas as minhas produções terão suas devidas continuações! — Esbraveja Morgenstern, convicto e destemido.





Como diria o sujeito ensandecido da franquia de jogos de tiro em primeira pessoa de ficção científica militar, temos que compreender o contexto. Com tudo às claras, já sabemos até onde isso vai dar. Nesse caso,





Feliz aniversário, Pether Morgenstern.

Que você faça muitos aniversários este ano!




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*





TO BE CONTINUED

PUBLICAÇÃO ORIGINAL EM 06/09/2020





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