Capítulo I | Five (RE: make)










Após o misterioso sequestro envolvendo dezesseis adolescentes sem qualquer vínculo entre si, o mundo Pokémon entrou em estado de alerta. Além das autoridades mobilizadas e das manchetes atualizadas a cada instante, ainda não se sabia, ao certo, as verdadeiras intenções por quem estava atrás dos panos.





| Mas, e se, de alguma forma, um grupo de vítimas conseguisse almejar a liberdade?





Neste conto (não-canônico, diga-se de passagem) de Pokémon Tales - Five Islands, um convite à imaginação é imerso por novas aventuras de quatro personalidades que ainda terão muito pelo que apreciarem ou temerem.









AVISO

Este capítulo se trata de uma versão reimaginada de eventos anteriores. É possível que personagens, cenários e, principalmente, o enredo tenham notórias discrepâncias com relação ao texto original. Para mais detalhes do que se trata este e futuros capítulos, por favor, direcione-se à seção Cinco, aqui, no topo ou no rodapé desta página.

O PAPO FOI DADO












ATO I: (A)H, MERDA! LÁ VAMOS NÓS DE NOVO!





Um furgão acometeu a estrada de pedregulhos como se fosse arrancá-la, de tamanha pressa. Chacoalhava tanto que denunciava a sua idade precária; tanto pela lataria enferrujada e descascada, quanto pelo ronco do motor que soava abusivo e aterrorizante aos arredores daquela trilha deserta. O para-brisa funcionava vez ou outra — mesmo que estivesse na velocidade máxima — perante o chuvisco intolerante; mas não muito forte. Chegava a saltar quando os pneus carecas e pouco resistentes se deparavam com uma rocha do tamanho de uma cratera em meio à via que nunca havia conhecido o significado de pavimentação. Seja lá qual fosse a adversidade imposta pelas condições de trânsito ou de tempo, aquele caminhão velho não estava disposto a parar. O que quer que estivesse carregando tinha nome, endereço e altíssima prioridade.





Que não houve sombra de outro motorista há pelo menos duas horas de viagem, o condutor do furgão tinha uma boa noção. No entanto, não desprendia a atenção do painel do automóvel e do caminho à frente — eventualmente, conseguia prever e evitar um solavanco, se não fosse pelo fato de uma lanterna dianteira ainda estar funcionando. Além disso, não estava exatamente animado ou prodigioso com a transportação. Bocejava constantemente e coçava os cabelos calvos sem muita vontade. O colete era desnecessariamente quente, a farda — que induzia o militarismo, mas não convencia — chegava a provocar coceira e não havia sistema de refrigeração naquela carroceria podre.





Por outro lado, seu companheiro de viagem não parecia se importar com esses reveses. Mais um pouco e, na verdade, demonstrava uma mescla notável de empolgação com medo; um pouco infantil o seu semblante inquieto, talvez fosse a razão do motorista ao lado bufar de tempos em tempos. Sua ansiedade fizera com que, há pouco, acabasse com a segunda caixa de pizza visível sobre a bancada abarrotada de quinquilharias e um monte de documentos e fichas que, por ora, pareciam ser relevantes ao invés de, por exemplo, uma revista sobre curiosidade dos dinossauros com direito a um exemplar para montagem com os amigos.





— Quadrante X-03, vinte quilômetros do ponto de extração. — De imediato, o motorista trouxe um comunicador com auxílio da mão direita. — Repito. Quadrante X-03, vinte quilômetros do ponto de extração.





— Situação do pacote. — A voz anasalada e chiada trouxe o retorno pelo rádio.





— Nos conformes. — Respondeu, direto.





— Entendido. Estamos contando com você. Pelo Governador.





— Pelo Governador. — Tão breve, a comunicação foi encerrada.





— Sabe, eu nunca tive a oportunidade de conseguir todos dessa coleção. — O colega de trabalho recolheu a revista e começou a folheá-la. Instantaneamente, começou a gargalhar à medida que seu semblante nostálgico visualizava as figuras. — Eu juntava cada centavo que podia para comprar uma dessas; às vezes, deixava de comprar o que a minha mãe pedia.





— Hm. — O outro revirou os olhos e afirmou, sem muita pretensão, com a cabeça.





— Uma vez, eu apanhei por isso. — Largou o folhetim sobre o painel; depois, ajustou alguns papéis que quase caíram da desordenada pilha. — Acho que foi aí que nunca mais vi minha coleção.





— Cuidado com esses arquivos, idiota! — O restante que absorveu da desnecessária conversa não foi relevante o suficiente quando constatou que aquele desastrado, o qual penava para considerá-lo um colega de trabalho, quase fez uma zona com a papelada.





Às vezes, parecia estar em uma operação com uma criança — e não só a feição infantilizada e recoberta de positividade que acrescentava ao fato —, embora estivesse na casa dos trinta anos — talvez fosse a idade, cogitou, já que sua careca reforçava que havia passado dos quarenta há um bom tempo.





— Desculpa, é que eu fico um pouco nervoso sob muita pressão. — Sorriu, constrangido. — Acho que é a primeira vez que eu aceito um trabalho como esse.





— Me pergunto quem teria a insanidade de te contratar. — Sussurrou consigo e agradeceu por não ter sido ouvido. Segundos depois e o rapaz tratou de ligar o rádio; custou a sintonizar a frequência, mas logo obteve a clareza do locutor.





— Será que já anunciaram o prêmio do jogo de ontem? — Reclamou em um tom esperançoso assim que recordou do seu número da sorte. — Normalmente costumam dizer mais uma vez nesse mesmo horário. Você é de apostar?





— A... sh-ten... zz-ção para os números da loteria: seis, três, sete. Mais uma vez: seis, três, sete!





— Como diabos você consegue pensar em loteria num momento desses?!





— Era o prêmio milionário da semana, ora essa. — Explicou, tão convincente em sua postura que fez o motorista desistir de entendê-lo. — Mas eu lembro que escolhi o cinco em alguma posição. Não importa, eu perdi mesmo.





— Ah, meu deus. — Suspirou pesarosamente. Talvez tenha sido o seu melhor momento de pensar por que não se formou em uma boa faculdade, conquistou o emprego do sonho, casou e teve filhos. Ainda tinha tempo, embora os segundos constatassem uma eternidade dentro daquele furgão.





— Foi mal. — Riu de nervoso, baixinho e discreto. — Eu já te disse isso, né? Minha crise de ansiedade se agrava em situações pressionadoras. Os médicos dizem que é crônico!





— Percebe-se. — Ironizou, no pior sentido. — E ainda assim, alguém ou algo te fez pensar que ser um sequestrador era o melhor que poderia arranjar para a sua vida?





O silêncio destacou-se quando o condutor manejou uma curva acentuada à esquerda. A tranqueira velha não tinha muita estabilidade, portanto, era costumeiro que ruídos de coisas se chocando contra a carroceria enlatada abalassem um pouco as estruturas. Adentraram a uma pista levemente sinuosa, preenchida por espantosos e escuros pinheiros que, ao tom roxeado do céu tempestuoso, reafirmavam o auge daquela noite.





— Bem, na verdade, eu queria ser um diretor de cinema. Ou cinegrafista, não sei dizer ao certo. — Deu de ombros, desmotivado.





— São coisas bem parecidas mesmo. — Pela primeira vez, o homem intitulado apenas como X-03 esbanjou de uma gostosa, porém breve, risada.





— No meu ensino fundamental, as crianças riam de mim por isso. — Recostou a cabeça na janela e, durante reles instantes, encarou a corrida de gotículas de chuva que se dispersavam perante o vidro. — Só porque achavam que um cara chamado Shelldon nunca seria um diretor de cinema.





— Pff. Shelldon? — Segurou o riso. Aquilo estava saindo melhor do que a encomenda para o seu gênio carrancudo, não podia negar.





— Com dois L.





— Elas têm razão. — Disse, sério. Recebeu o olhar confuso do companheiro em resposta. — Quer dizer, as crianças. Que tipo de diretor de cinema se chamaria Shelldon?





— Eu já vi nomes piores. Além do mais, como era mesmo o nome daquele cara que conseguiu fazer uma série com um cartão de crédito?





— Olha, cara. Eu não faço a mínima ideia do que você tá falando, mas — O encarou com sinceridade e uma parcela de otimismo. — Você parece ser um bom garoto. Meio desastrado, talvez. Deveria pensar em seguir outra coisa quando acabarmos com isso.





— É. — Contagiado pelo mínimo de atenção que o veterano o concedera, Shelldon exibiu um sorriso mais revigorado. — É! Tem razão! Eu posso ser um diretor de cinema. Ou talvez um cinegrafista. Até mesmo um sonoplasta! E ninguém vai me dizer o contrário!





— Hollywood deve estar precisando de gente como você. — Riu consigo mesmo assim que descansou a mão direita no volante.





— Muito obrigado! — Manteve o gesto sorridente. — Aliás, como é o seu nome, senhor?





— É Abner, garoto. — Balançou a cabeça suavemente em concordância, sem desfocar a penumbra da estrada. — É Abner.













— Não pode ser! — Parecia longe, a voz empolgada de um sujeito que nunca ouvira em momento algum. — Você [...] Abner da dupla “Abner e Ralni”?!





— Me admira [...] dessa época!





A visão turva evidenciava um branco fosco, como se algo estivesse indo embora de seu foco, mesmo que tentasse alcançá-lo a todo custo. Não sabia dizer ao certo o que ou quem se tratava, mas necessitava segui-lo. A única coisa mais esclarecida parecia ser o que se redobrava e chicoteava o vento, quente e vermelho.





Aos poucos, a consciência governada trouxe um gosto amargo na boca, possivelmente a dose de alguma coisa que o fizera ser derrubado com força; bem como sinais de tontura ao abrir os olhos de forma vagarosa e dormente. Tão logo que seus sentidos recobravam um posicionamento de sua consciência, a superfície dura e gelada daquele latão o proporcionou o desconforto necessário para que se colocasse sentado. Claro que havia algo errado e nem mesmo a sua aparência cansada e derrotada pela sonolência forçada o impediria de analisar a situação e, principalmente, porque estava acompanhado por mais três sujeitos desconhecidos.





Massageava a cabeça constantemente enquanto se aproximava dos ditos cujos; realmente, não reconhecia nenhum deles e nunca havia visto mais gordos. Seria impossível se manter de pé, visto o balanço insuportável do caixote escuro e gelado que os transportava sabe-se deus para onde; isso quando não chacoalhava como um saco de batatas quando a estrada, ou o que quer que fosse a travessia pela qual transitavam, era mais esburacada que o final de sua série favorita.





Independentemente das razões de estarem ali, precisava estabelecer um plano de fuga. As variáveis do ambiente não estavam ao seu favor; a começar que não tinha certeza se poderia confiar nos três corpos entregues ao desmaio caso fossem despertados — o que, partindo do senso comum, teriam algo em comum para compartilhar se estavam sendo levados para sabe-se deus onde — e, pior do que isso, a noção do tempo era incontrolável pelo fator inconclusivo que martelava a principal questão em sua mente: quando chegariam ao destino?





Mesmo que escapassem, miraculosa ou heroicamente, o que havia no exterior ainda era uma aterrorizante incógnita e não se recordar de como chegou a esse ponto era pior ainda. Os sujeitos à frente conversavam amigavelmente, pelo que podia notar através das vozes abafadas, mas não era como se pudesse chegar neles e explicar o ocorrido, dizendo que isso tudo não passou de um mero engano e que, enfim, seriam libertos. Até ririam juntos e apertariam as mãos; seria bom demais para ser verdade.





— Quadrante X-03, quinze quilômetros do ponto de extração [...]





Aquilo era o suficiente para que seu estado de alerta obtivesse uma informação relevante para que pudesse agir em um tempo estimado. No entanto, se colocou em modo defensivo assim que notou uma movimentação de um dos indivíduos — instintivamente inútil, uma vez que não dominava nenhuma arte marcial ou sequer havia algo por perto que pudesse utilizar como arma. Na realidade, se surpreendeu quando, através de um dos bolsos de sua jaqueta vermelha, pôde sentir o pequeno corpo esférico do reconhecido lar de seu parceiro de intrigas e mordidas — uma Pokébola.





Poderia usá-la em prol de conquistar algo, mas sob tais circunstâncias sua expressão desgostosa considerou que a criatura contida ali dentro só atrapalharia a situação, para não dizer que custaria a sua vida. Resolveu, por fim das contas, baixar a sua guarda e checar as condições do outro rapaz — por sorte, ele poderia se lembrar de algum detalhe que explicasse o paradeiro de todos os presentes ou poderiam assimilar algo que os possíveis sequestradores — se é que podiam ser chamados assim, do tanto que gargalhavam na cabine à frente e, o mais estranho, o som chiado de algum dueto mexicano estralava pelo rádio — estimavam pelo resgate ou coisa parecida.





À medida que acordava, as reações iniciais do garoto não foram muito diferentes do primeiro. O diferencial, todavia, consistia na expressão atenuada entre o desamparo e a raiva. Talvez, era um claro indicativo de que nutria de alguma memória não muito distante que interligasse alguma pista ao que estava acontecendo. Pôde analisá-lo, discretamente, até o momento em que se entreolharam. Apesar da feição apavorada e estressada com a situação, não parecia um mau sujeito.





Continuaram se encarando por mais alguns segundos, embora o outro rapaz tentasse obter algo de útil enquanto também revirava os olhos para os demais arredores; nada além de dois desacordados, um moleque de óculos e uma garota. Parecia um teste de resistência para checarem qual falaria alguma coisa primeiro, mesmo que as circunstâncias presentes sugeriam que cada segundo valesse a pena. O estardalhaço musical estava alto o suficiente para que conversassem numa boa, desde que não chamassem tanto a atenção quanto o recital de tenores italianos.





— Isso não me cheira a uma excursão para Negrópolis. — O garoto aproveitou a deixa para realinhar seus dreads longos e soltos num coque. — Quem é você?





— Eu poderia te fazer a mesma pergunta, mas — Se aproximou um bocado do outro sujeito que, a princípio, o encarou com um semblante ligeiramente irônico e preocupado com suas intenções. — Acho que- o que foi? — Se interrompeu quando percebeu o efetivo distanciamento por parte do companheiro.





— Eu não tenho problema com essas coisas e tal, mas é melhor ir com calma. — Riu de leve.





— Mas o quê? Eu- ah, claro. — Assim que compreendeu a mensagem implícita, arqueou uma das sobrancelhas com uma feição divertida. — Desculpa por não te oferecer um jantar a luz de velas antes, você mesmo disse que queria pular as preliminares, lembra?





— ... Tá legal, isso tá ficando perigoso. — Desviou o rosto à frente. — Conhece aqueles dois?





— Mais importante do que isso: você se lembra como veio parar aqui?





— Não muito. — Parecia mais incomodado com o hematoma inchado em seu rosto do que recorrer ao inútil de sua mente bloqueada. — Quer dizer, eu lembro de um Mantine. Sim, tinha um Mantine onde eu estava! — Mesmo que tenha exclamado um bocado mais alto do que deveria, não foi o suficiente para ser o alvo das atenções.





— Tá. Um Mantine. — O estranhou um bocado. Não esperava a tamanha reação contente que o rapaz esboçou por conta de um mero Pokémon. — Era seu Pokémon?





— Não. Não. Alguma coisa me pegou de jeito e- eu me lembro do mar e desse Mantine. Eu- ué? — Assim que se acomodou de pernas cruzadas, sentiu o desconforto de uma Pokébola no bolso de sua bermuda. — O Poli tá comigo!





— Poli... wag? — Deduziu assim que arqueou uma das sobrancelhas. Aquele sujeito era estranho, sem dúvidas, mas não representava perigo ou algo do tipo. — Ok, nós não temos tempo para isso. Pelo que eu ouvi, não estamos muito longe de- de onde quer que estejam nos levando. O motorista disse algo como “quinze quilômetros do ponto de extração”.





— E agora estão ouvindo Aloha ‘Oe. — Não demandou de muito esforço para reconhecer o som de ukulele aos arredores. Não tardou muito para que deixasse as bobagens de lado e focasse no objetivo atual; o que ainda não estava muito claro. — Você acorda um e eu acordo outro?





— Pra ontem!





TO BE CONTINUED

Publicação original em 18/06/2022

Comentários