Our Life is a Mess | Capítulo II


Imagem meramente ilustrativa




Capítulo II - Contratempo metroviário





O tráfego de uma cidade populosa sempre segue os mesmos padrões: avenidas abarrotadas de carros, a poluição sonora sobressaindo-se pelos quatro cantos, pedestres apressados para pegar um ônibus, táxi ou caminharem para o metrô.





Características que, para um arcaico morador da metrópole, soaria normais por serem vividas repetidamente. Contudo, considerando os novos hospedeiros do local, povos acostumados com o interior teria uma esperada dificuldade para se adaptar com a vida corrida da cidade grande.





Mas isso não pareceu um problema aos olhos de Ash, Gary e Black.









— SAI DA FRENTE! — em um grito nada amistoso, Gary ultrapassa um casal após uma investida ágil.





— DESCULPA POR ISSO! — Black, que o seguia pelo encalço, exclama ao ver o casal atônito e separados pelo ataque inepto do ruivo.





— Merda de gravata! — pragueja o Ketchum, sem saber se tentava finalizar o nó de sua gravata ou se prosseguia com a corrida, porém ao ver que ficava para trás, apertou os passos, deixando o tecido esvoaçar em seu pescoço.





O trio alcança a quinta avenida e dobram para um beco estreito.





— A ENTRADA DO METRÔ É DEPOIS DO BECO! — Gary, o qual intercalava o olhar no aplicativo do Google Maps e no caminho, informa sem hesitar.





Poupando fôlego para uma corrida mais eficaz, Ash e Black apenas seguem o amigo.





Após desviar de latas de lixo metálicas, poças poluídas pelo esgoto e quase serem arranhados por um gato preto que descansava até ter seu rabo pisado, os três alcançam a liberdade e abrem um sorriso esperançoso ao verem uma escadaria no outro lado da rua, a qual os levaria direto para o subsolo.





Anestesiado com a adrenalina, Gary sequer espera pelo sinal fechar, avançando de forma ágil e recebendo fonfonadas indignadas dos motoristas. Ao chegar inexplicavelmente salvo do outro lado, o ruivo olha para trás com um sorriso vitorioso, porém que logo some ao ver os amigos parados na calçada oposta.





— VOCÊS NÃO VÃO VIR NÃO? — indagou o desajuizado.





Em resposta, os dois amigos apenas erguem seus respectivos dedos do meio, titubeados.





Gary dá de ombros e segue descendo as escadas, desta vez sem correr. Ao olhar o relógio, percebera que ainda tinha oito minutos antes da última locomotiva partir, portanto pôde respirar aliviado.





Não tardou para os dois amigos lhe alcançarem. Graças ao cartão dadivado pelo próprio colégio – o qual permitia viagens gratuitas em qualquer centro metroviário –, os rapazes não tiveram problemas para embarcar na ferrovia elétrica.





Embora o local estivesse relativamente cheio – não tanto quanto estaria horas antes, quando o pico era mais alto –, os três puderam desfrutar de acentos livres perto de uma das saídas.





Visto que agora bastava esperar o metrô fazer seu trabalho, Ash relaxou os ombros, deitando a cabeça no encosto.





— Eu achei que fosse morrer! — exclamou, melancólico, deixando sua bolsa cair no chão e suas costas arrastar pelo banco.





Gary ri.





— Eu nunca pensei que essa opção do bonequinho caminhando do Maps fosse ser tão útil.





— Você poderia ter sido menos agressivo, isso sim. — Reclamou Black. — Tive que pedir desculpas para umas dez pessoas por sua causa.





— Ah, mas você tem esse problema de querer ser legal até demais — retrucou o rapaz, Black arqueia a sobrancelha. — Estamos na cidade grande, maninho, as dez pessoas que ouviram suas desculpas, se é que ouviram, nunca mais vão ver ou sequer lembrar de você.





Em resposta, Black apenas balança a cabeça em discordância, mas não recruta. Sua atenção cai para Ash, que se encontrava sentado do seu lado direito, entretido no celular.





— Tá fazendo o que aí?





— Tentando falar com o Red, pois-





— CARALHO, O RED NÃO TÁ AQUI?! — o grito alarmado de Gary, além de interromper Ash, gerou uma chuva de olhares para si, constrangendo-o.





— Você é cego ou tapado? Red desistiu de correr atrás da gente depois da primeira esquina. — Respondeu o Black.





— Putz, que loucura. — Diz o rapaz em um falso tom de surpresa, esbanjando um sorriso cômico.





— Bom, ele não me responde e nem me atende. — Disse o Ketchum, guardando o celular.





— Ele provavelmente voltou para o apartamento para dormir, sossega aí — teoriza Gary.





Antes que Ash ou Black pudessem rebater, o som das portas se fechando ecoa pelo vagão.  





A locomotiva começa a se mover, ganhando velocidade conforme ia se distanciando da estação. Os rapazes se ocupam em afazeres individuais: Black checava se pegara todos os materiais requeridos na lista dada pela escola, Gary distraia-se em meio de risadas, enquanto navegava no Twitter, já Ash se ocupou apenas em observar o vagão.





Estava empolgado, embora não demonstrasse para evitar constrangimentos, mas nunca havia andado de metrô antes e impressionou-se com o quão rápido ele se movimentava – a paisagem do lado externo se resumia apenas em borrões aos olhos do rapaz.





Cogitou, em pensamento, levar um jornal no dia seguinte para imitar alguns adultos que liam – ou pelo menos fingiam, pois a julgar pela cara sonolenta da maioria, nenhum conteúdo parecia realmente ser absorvido por eles. Ele riu para dentro por conta do pensamento.  





Encarou os amigos de esguelha, vendo que se ocupavam de outra forma.





Gary abandonara sua leitura-nada-produtiva no celular e contentava-se apenas por ouvir uma música em seus fones sem fios – ou, para os mais entendidos, AirPods – enquanto descansava a cabeça nas costas do assento.





Para alguns, aquilo nada mais era do que uma ação normal e cotidiana, contudo o Ketchum compreendia o significado por traz de tanta calmaria.





— A cinetose atacou de novo, Carvalho? — indagou com um sorriso um tanto quanto satisfatório.





O ruivo, a contragosto, apenas assente com um joinha, mantendo os olhos fechados e puxando o ar lentamente.





Black, que antes estava concentrado em sua leitura de um pequeno livro, ergue seus olhos para os dois.





— Cinetose? — ao encarar Gary, os olhos do rapaz se arregalam. — Cacete, Gary, você tá pálido! — em correspondência o espanto, Gary apenas balança a cabeça, sinalizando estar ciente.





Ash ri.





— Ele sempre teve esse probleminha aí com viagens, fica enjoado e com tontura, só consegue viajar bem se for topado ou se concentrando muito. — Explicou o Ketchum.





— Ah — Black encara o amigo — isso explica a cinetose. Mas então por que você ficou no celular?





Gary busca forças para responder, contudo o Ketchum é mais rápido.





— Porque ele é idiota. — Diz o rapaz e Black ri.





— Tem razão quanto a isso.





Gary, por sua vez, apenas revira os olhos.





“Passageiros, estamos nos aproximando da linha dezenove. Repetindo, aproximando-se da linha dezenove.”





Ash encara o amigo de cabelos castanhos.





— É a nossa?





Black nega com a cabeça.





— Descemos apenas na vinte e dois. — Diz, voltando a prestar atenção no pequeno livro que carregava em mãos.





— “Manual disciplinar do aluno” — Ash junta as sobrancelhas após se inclinar para ler o título do objeto. — Por que diabos está lendo isso?





— Porque com certeza ela vai ficar enchendo o saco para eu ler isso depois. — Respondeu em meio de um suspiro.





Ela? — Ash franze a testa. — A professora? Tem algo para entregar?





— Óbvio que não, cabeção. A gente nem conhece os professores ainda.





— Então... sua mãe?





— Essa seria a última a me cobrar isso — riu para dentro. — É melhor você não saber. — Apressou-se em dizer, ao ver que Ash continuaria chutando.





Felizmente, a atenção do Ketchum é voltada para o súbito cessar de velocidade do metrô. Após chegar à inércia, as portas automáticas se abrem e, ao mesmo tempo que alguns cidadãos saiam, outras dezenas adentravam.





— Eita porra! — exclamou o Ash, ajeitando-se no assento. — Isso pelo visto vai encher.





 — De fato — Black repete o ato do Ketchum, tal qual o pobre e ébrio Gary.





Não tardou para que o vagão abrigasse uma quantidade considerável de pessoas. Os assentos se esgotaram rapidamente, o que proporcionou um leve desconforto para aqueles que necessitaram espremer-se ombro com ombro, em busca de um apoio na grade e fadados à infeliz viagem de pé.





Ash encolheu suas pernas ao máximo, buscando uma gentil forma de conceder mais espaço para aqueles que aguardariam seus destinos sem qualquer conforto.





— Pelo jeito, esse é o ponto mais cheio. — Comentou Black.





— Eu não quero nem pensar como isso deve ficar no retorno. — Observou o Ketchum, secando a umidade de sua testa.





Logo, a locomotiva fecha suas portas, retornando a ganhar velocidade conforme avançava.





Os burburinhos dominaram a atmosfera do vagão, desmanchando o silêncio reconfortante da manhã que antes eram-lhes aproveitado.





Ainda assim, não estava sendo uma viagem ruim. Ash considerava-se com sorte por permanecer sentado, enquanto aguardava com um misto de empolgação, ansiedade e preocupação a chegada na escola – de certo, perderia a cerimônia de entrada.





O rapaz volta seu olhar à frente e acaba reparando na garota que ocupava a posição a poucos metros dele. Admirou-a inconscientemente.





Sua pele o lembrava pêssegos, claros e delicados, enquanto contrastava com os seus cabelos castanhos – os quais eram divididos por duas mechas à frente e presos por um meigo laço azul. Ela trajava um uniforme similar ao do Ketchum, contudo suas cores encontravam-se contrariadas.





O uniforme masculino de Ash tratava-se de uma calça de brim cinzenta, enquanto o tronco era coberto por uma camisa social branca e um blazer azul-petróleo, estampado com o brasão da Elementary Saffron School – um escudo com a letra “E” em destaque – no peito esquerdo, tal qual uma gravata de cor neutra que, ao menos em Ash, encontrava-se frouxa.





A menina, por outro lado, utilizava uma saia rodada com a mesma coloração azul-petróleo do blazer de Ash, detalhada com uma linha cinza entorno da borda. Sua camisa social assimilava-se com a do rapaz, sendo branca e com mangas curtas. Acompanhada da blusa, estava uma gravata borboleta combinada com a saia, diferenciando-se apenas com as listas cinzas que alternavam com o azul. Além disso, diferenciava-se pelas meias que subiam até o meio da canela e as sapatilhas – acessórios inviáveis para o uniforme do Ketchum, o qual usava apenas um sapato.





O moreno reparou, também, que o uniforme abrigava o mesmo brasão que o seu – sentindo uma pontada de alívio por saber que, ao menos, ele e os rapazes não eram os únicos atrasados.





Subindo seu olhar, Ash se depara com as orbes azuladas da menina, encantando-se. Eram olhos profundos, pintados em um azul-celeste. Parecia o próprio céu em um dia ensolarado de verão, lindos, hipnotizantes e... assustados?





As pupilas de Ash se dilatam ao notar as gotículas de lágrimas que surgiam no canto daqueles belos olhos. Talvez fosse sono, certo? Um recém bocejo causa lacrimejo involuntário.





Contudo Ash não se deu como convencido e ao olhar para os ombros rígidos da menina, encontrou o motivo.





Com um sorriso malicioso e sussurrando palavras inaudíveis, um cara brincava com os dedos pela saia da garota, puxando-a para cima e, de pouco a pouco, avançando para dentro do tecido.





Talvez tenha sido por puro reflexo, ou um ato guiado e impulsionado pela raiva. Mas Ash agiu.





A garota não parecia ter notado a presença do moreno à sua frente, contudo era impossível deixá-lo passar despercebido após ter seu punho firmemente agarrado e ser puxada ao seu encontro. Nesse ínterim, Ash se levanta e guia a menina em um hábil giro, deixando-a cair de lado no assento em que ele ocupava.





Por conta disso, o espaço para um leve – porém suficiente – avanço é aberto e Ash não perde seu tempo, ocupando o lugar onde a menina se encontrava e ficando cara a cara com o molestador, que o encarava com os olhos arregalados.





Sem pronunciar qualquer palavra, Ash ergue seu celular para a face do moleque e o barulho da câmera revela que uma foto havia sido tirada.





— Mas que porra você pensa que tá fazendo? — indagou o molestador, ralhando os dentes.





— Agora eu tenho uma foto sua. Ou seja, tenho uma forma de te encontrar ou até mesmo a polícia. — A entonação de Ash era fria e ele fixava seu olhar nas orbes receosas do outro. — Então, se eu souber que você tá molestando ela — apontou para a menina, que já se endireitara no assento e encarava a cena assustada — ou qualquer outra garota — Ash se aproxima do ouvido do rapaz. — Eu e meus amigos te daremos uma surra tão grande, que você vai preferir morrer ao sair na rua outra vez. — Não havia hesitação em sua voz, tampouco brincadeira, era sério e convicto, como se ele se segurasse para não concretizar a ameaça naquele momento.





O moleque tenta se afastar, contudo o acúmulo de pessoas o impede de dar mais do que dois passos para trás.





— Estamos entendidos? — Ash questiona, em alto e bom som.





Sem saídas, o menino assente com frequência, tentando se enfiar entre uma senhora e um homem robusto.





Enfim, conseguiu um espaço para sair daquela área, mas Ash o observou tempo suficiente para notar algo em sua vestimenta.





Ele também possuía o brasão com a letra “E”. Eles estudavam na mesma escola. Crispou os lábios após suspirar e se virou, sendo confrontado por um par de orbes surpresas e um par ligeiramente admiradas.





— Se algum dia eu disse que você não era másculo, Ash — Black cerra o punho à frente do rosto — eu voltarei no tempo e socarei meu eu-passado por isso.





O Ketchum exibe um sorriso de canto, contudo volta sua atenção à garota.





Enrubesceu um bocado ao notar a forma penetrante que era encarado, como se a menina memorizasse mentalmente cada detalhe de seu rosto – e torceu para que não estivesse com nenhuma espinha inchada ou talvez alguma sujeira no canto da boca.





De todo jeito, pigarreou em prol de retomar a compostura – o que fez a garota também acordar de seus devaneios – e a lançou um semblante acalentado.





— Tá tudo bem? — indagou em tom baixo, buscando equilibrar a seriedade com a meiguice.





As bochechas da menina se ruborizam ao ver Ash se inclinar para perto – afinal, não queria causar alarde e constrangê-la –, mas ainda assim, assente com um sorriso terno.





— Muito obrigada, mesmo. — A garota desvia o olhar das orbes do menino. — Estou melhor, graças a você. Desculpa essa inconveniência.





Ash arqueia a sobrancelha e ergue o tronco.





— Não tem por que se desculpar — garantiu. — Na verdade, eu que sinto muito por você ter passado por isso. Imagino que deva ter sido assustador.





O sorriso dela se torna fraco e, novamente, ela balança a cabeça em concordância.





Black dá um tapinha no ombro dela e, após ela o encarar, lhe oferece uma garrafinha d’água.





— Ah, obrigada! — retribuiu. Embora a face amena e as atitudes tranquilas, Ash pôde perceber que as mãos da menina tremiam para destampar a garrafa. Ela ainda estava assustada, afinal.





— Foi a primeira vez que isso aconteceu com você? — a questão abrupta fez Black grunhir uma reprovação.





— Ketchum! — fuzilou o amigo com o olhar.





A menina, contudo, não pareceu ofendida com a pergunta. Após terminar de bebericar o líquido, direcionou o olhar a ele.





— Queria dizer que não, mas — ela aperta a garrafa em suas mãos — isso também aconteceu quando eu vim fazer minha matrícula, com um homem mais velho. — Ash trinca os dentes e Black abaixa o olhar, soturno. — Pensei que fosse ser um caso isolado, mas pelo visto...





— Existe nojentos de todas as idades. — Complementou Ash, amargamente.





A menina assente e abaixa o olhar para a garrafa, porém logo ergue por ver uma mão estendida entrar em seu campo de visão.





Era a mão do próprio Ketchum, que expressava um pequeno sorriso.





— Eu me chamo Ash. Ash Ketchum — apresentou. — E a partir de hoje quero que seja minha acompanhante!





Black se engasga, engatando em uma crise de tosses mesclada com risos, amaldiçoando Gary por ter caído no sono nessa altura do campeonato.  





Já a garota sente suas orelhas ferverem.





— He- hein?!





De repente, ao repensar no que disse, fora a vez das orelhas de Ash entrarem em combustão – junto de sua face.





— Nã- nã- não desse jeito! — abanou as mãos na cara da menina. — Porcaria! Desculpa, eu usei as palavras erradas- digo, não que eu não gostaria que você fosse minha acompanhante, mas- — ele trava ao vê-la corada. — Di- digo, er, calma... — o rapaz respira fundo, lançando um olhar mortal ao amigo, que abafava o riso com a mão. — O que eu quis dizer é, bem, se não tiver problema para você, eu gostaria de te acompanhar até a escola, para que isso não aconteça mais.





Na perspectiva de Ash, só naquele momento que a mocinha havia notado os brasões similares. E ele não a culpava.





Convertendo o semblante surpreendido por um agradecido, ela sorri.





— Você poderia mesmo? — indagou, tentando não transmitir súplica em sua voz.





— Sim, todo o possível para não deixar isso acontecer de novo. — Novamente, Ash recebe aquele olhar azulado e admirado que lhe deixou, outrora, encabulado.





— Muito obrigada! — ela segura nas duas mãos do rapaz. — Eu aceito, sim! — eles trocam olhares e sorrisos por breves segundos, até sentirem uma fervura crescer em seus corpos e ambos se separarem em uma ligeira recuada.





Black observa a cena com um pequeno e abobado sorriso.





— Então... Er. Combinado! — exclamou com o timbre nervoso.





A garota solta um pequeno riso, algo que trouxe alívio ao peito do rapaz.





— Combinado. — Concordou. — A propósito, eu me chamo May, May Maple. É um prazer conhecê-lo, Ash Ketchum!





TO BE CONTINUED

Publicado por: Doton
17/04/2022





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