Our Life is a Mess | Capítulo I


Fracassados à disposição




Embora eu não seja o real narrador dessa história, ela não deixa de ser minha, ou melhor, nossa. Portanto tomei a liberdade de vir aqui, de tempos em tempos, para comentar sobre o começo da nossa vida.





Já aviso: se você veio aqui procurando por uma história de ação estonteante ou um mistério de perder a cabeça, saiba que esse lugar não é para você. Mas se você quiser ler uma comédia um tanto duvidosa e situações estranhas, desastrosas e as vezes até vergonhosas, mas que pode tirar pelo menos um sorriso de sua cara, então aperte o cinto, pois você pode não se arrepender.

Mas não coloco minha mão no fogo por isso.




E o começo da nossa história não poderia ser diferente. Lembro como se fosse ontem o dia em que chegamos.





Capítulo I - Prólogo





O céu em crepúsculo brilhava sobre a metrópole de Saffron. A tarde primaverada de domingo era reservada para o merecido descanso dos cidadãos, deixando a cidade em um irregular silêncio.





A onda tranquilizadora se abrangia entre as residências, onde famílias, amigos ou amantes desfrutavam daquele início de noite de uma maneira relaxada, visando uma restauração plena para a nova semana que se iniciaria.





Entretanto, um grupo seleto de pessoas não compartilhava essa vontade pacífica e, tampouco, expressava-se de maneira tranquila e amena.





Pelo contrário, euforia era o que mais lhes definia.









— Puta que pariu! Por que esse lugar tem tantas escadas?! — acompanhado de um sopro recheado de exaustão, o praguejo partiu do responsável por abrir a porta de madeira enumerada como “216”.





Com certa urgência, adentrou ao apartamento em tropeços, curvando-se pelo caminho para enfim se livrar daquele peso entulhado na caixa em que segurava.





Ajoelhou e apoiou um dos cotovelos no papelão, utilizando o outro antebraço para secar o suor incômodo de sua testa.





— Tenho certeza de que isso é culpa do Gary! — outro rapaz desmoronou ao lado do primeiro, largando sua caixa em meio de um semblante aborrecido.





— Como isso poderia ser minha culpa? — o terceiro integrante – denominado como Gary – adentra logo atrás, este mais conservado do que seus companheiros.





— Tenho total certeza de que o síndico mentiu sobre os elevadores apenas para subirmos pela escada. — Ralhou o segundo, encarando o Gary com um olhar fumegante.





O menino recebe a mal-encarada com um sorriso de canto.





— E, de novo, como isso poderia ser minha culpa?





— Acho que — uma quarta voz se faz presente no cômodo — se você não tivesse dito que a careca dele parecia um espelho de tão ilustrada que estava, ele seria mais amigável. — Tão inteiro quanto o amigo Gary, o rapaz para ao seu lado.





O acusado entona uma risada divertida e dá de ombros.





— Não posso fazer nada se ele não soube reagir a um elogio como esse. — — Depositou sua caixa em um canto do local, sendo seguido pelo último integrante.





O acusador revira os olhos e se ergue, um bocado recuperado. Seus três amigos se juntam ao seu lado.





— Finalmente — o primeiro que, antes, adentrara esboça um sorriso simbólico — nosso próprio apartamento.





Seus olhos castanhos brilhavam em uma empolgação contagiante. Ele retira seu boné vermelho, revelando cabelos negros e espetados, enquanto coçava sua bochecha marcada com um traço curvado – assemelhando-se, minimamente, com um raio – a qual também era visível no outro lado da face.





— Um recomeço — soprou o quarto integrante a entrar, compartilhando daquela aura emocionada.





Seus cabelos eram mais claros e volumosos, enquanto suas mechas se posicionavam de forma aleatória, dando-lhe um aspecto rebelde, a coloração era voltada para o castanho-claro. Seus olhos âmbar rodava por todo canto, com uma ligeira curiosidade, enquanto um sorriso ansioso se desenhava em seus lábios.





Gary compartilhava desse mesmo sorriso.





— Finalmente um lugar para trazer garotas e ficar em paz! — exclamou ele, sonhador.





De longe, era o que mais se expressava como fanfarrão. Seu cabelo mesclava uma coloração castanha variando-se para um ruivo mogno – talvez, por conta de ter sido tingido, adotou um novo padrão de cor –, enquanto seus olhos adotavam um belo tom viridiano-escuro.





— Finalmente um lugar para esconder o corpo do Gary. — Disse aquele que entrou por segundo, estremecendo o rapaz ao seu lado.





Embora seu tom soasse como brincadeira, sem semblante carrancudo não ajudava na crença do fanfarrão de que estava seguro.





Os olhos do rapaz, de longe os mais misteriosos, se pigmentava em um tom avermelhado, combinando-se curiosamente com sua pele mais pálida e com os cabelos negros – os quais eram lisos, portando necessitava conviver com uma franja desalinhada caindo em sua testa.





— Há! Claro que Ash e Black não deixariam isso acontecer! — contrapôs o ruivo, direcionando seu olhar nervoso para os dois amigos.





— Não se preocupe, Red, encobriremos você! — garantiu o chamado Ash, direcionando um joinha ao rapaz de olhos vermelhos. Black ri e lança o mesmo joinha para ao Red, sendo retribuído em exatidão.





Um suor frio escorre na testa de Gary.





— Detesto essas brincadeiras de vocês. — Murmurou, alarmado.





Os três riem com gosto.





Ash põe a mão na cintura e rodeia seus olhos novamente pelo apartamento à sua frente.





Um local um tanto quanto pequeno, mas igualmente aconchegante. Suas paredes padronizadas em tinta branca combinava com o piso de azulejo bege. Ainda estava vazio, mas Ash conseguia visualizar onde cada objeto ficaria, esperou muito por aquele momento e, àquela altura, já havia planejado e replanejado tudo em sua cabeça.





— Então é oficial — soprou Red — moraremos aqui.





— Quatro fracassados do interior na cidade grande — complementou Gary com um meio sorriso.





— Totalmente sozinhos em um lugar desconhecido. — Concluiu Black.





De repente, as expressões dos três são convertidas para uma careta amarga.





— Não sei por que, mas me deu uma puta vontade de vomitar. — Diz Gary.





— Acho que a gente comeu algo estragado, pois estou com a mesma vontade. — A feição de Red se contorcia, enquanto uma coloração verde expandia-se em seu rosto.





— Já eu acho melhor correr para o banheiro, pois me deu uma estranha vontade de cagar. — Disse Black, segurando a barriga e suando frio.





Os três trocam olhares e, como se conversassem por telepatia, correm em desespero visando o único banheiro do apartamento.





— EU VOU PRIMEIRO! — bradou Black.





— MAS NEM FODENDO! — Red e Gary, por outro lado, retrucaram.





Ash observava o alvoroço com um sorriso descrente, sentindo o seu coração palpitar mais rápido do que deveria.





Seus amigos eram tapados o suficiente para não perceber que aquilo era consequência de um nervosismo? Ele duvidava, conhecia-os bem o suficiente para saber que agir de forma exagerada os ajudava a mascarar o assombro daquela nova etapa, mas que tinham ciência do que passariam.





Eles eram assim, afinal.





Ash estava pronto para se juntar aos três, contudo hesitou ao sentir seu celular vibrar no bolso de sua calça jeans.





Ao retirar em nítida curiosidade, não escondeu a risada ao notar que era uma mensagem SMS, algo que, naquela altura, ninguém mais utilizava.





Exceto uma pessoa.





“Olá, meu querido, espero que tenha chegado bem. Saiba que estou orgulhosa de acompanhar seu crescimento, meu coração dói um pouco por saber que você não estará mais aqui para me ajudar na floricultura, mas saiba que ele está igualmente feliz em vê-lo caminhar com suas próprias pernas. Sei que deve estar inseguro e com medo, mas sabemos que você é capaz de enfrentar qualquer coisa e que dará seu melhor nessa nova etapa. Pallet está orgulhosa de você, meu menino, e saiba que eu estou mais ainda.”





“PS: sua mãe não para de chorar desde a hora que você partiu, pode pelo amor do santinho ligar para ela? Não aguento mais essa choradeira.”





“Com amor, sua fã número um e a melhor Baachan do mundo: Amélia.”





Era como mágica. Como se todo o peso de seus ombros se sumisse, como se tivesse o poder de conquistar o mundo. Era felicidade, encorajamento e confiança.





Era saber que, em algum lugar, pessoas torciam por eles e que eles sempre teriam um lugar para voltar.





— A gente consegue, tenho certeza. — Afirmou, sem vacilar.





E com um sorriso revigorante, se juntou para lutar pelo seu direito de utilizar o banheiro do apartamento, afinal, queria urinar desde a hora que chegou.





E naquele pequeno e aconchegante espaço, a nova vida daqueles bagunceiros, se iniciou.   









— Tem certeza de que vai dar tempo? Temos que pegar o metrô, você calculou isso? — Ash indaga, um bocado inquieto, enquanto enrolava e desenrolava o dedo no barbante da sua calça de moletom.





O questionado, Red, bufa após revirar os olhos.





— Pela vigésima vez, Ash, sim, eu calculei. — Naquele momento, o rapaz forrava o seu colchão inflável com uma lençol branco. — Odeio dormir nisso, sempre fico com dor nas costas. — Murmurou após se certificar de tudo estar preso como deveria.





O apartamento já não se encontrava tão vazio quanto antes, ao menos, não o cômodo central.





O local era ocupado por quatro colchões infláveis, além de suas caixas e alguns pertences pessoais – carregadores, escovas de dentes guardadas em um copo e o próprio conjunto de uniforme da nova escola –, além de duas garrafas d’água de dois litros, que suava no canto da sala.





Os colchões estavam organizados em um pares, dois de um lado e dois de um outro, deixando um pequeno corredor entre eles livre para qualquer emergência que requerer transição.





— O Sr. Yahiko me mandou mensagem — anunciou Black, refletindo nos seus olhos a tela do celular. — Ele disse que chegará aqui com as coisas de vocês a partir das duas da tarde. Será que dá tempo de voltarmos da escola?





Ash assente.





— Sairemos às uma. — Informou. — Como não tem clubes definidos no primeiro dia de aula, não teremos que nos preocupar em ficar pela tarde no colégio.





— Colégio Elementary... — o rapaz de cabelos castanhos se deita, cruzando os braços atrás da cabeça. — Como será que é lá?





— Enorme — Ash sorri —, eu fiquei até meio perdido quando fui confirmar minha matrícula mês passado.





— É verdade, Délia e eu demoramos uns trinta minutos para encontrar esse bebezão. — Conforme espreguiçava, Gary dizia em tom risonho. — Eu só quero que tenha gatinhas lá, afinal, o papai aqui precisa de um bom mar para pescar.





— Ah não... — Red revira os olhos. — Você não desencanou desse papo de pescador ainda?





O Carvalho solta uma gargalhada e balança o dedo para o moreno.





— Isso não é apenas um papo, meu caro, é um estilo de vida.   





Black arqueia a sobrancelha.





— Quantas mais vão precisar te rejeitar para você mudar esse estilo de vida? — a questão fez Gary contrair os lábios. — Só pelo tempo de férias que eu fiquei com vocês, eu devo ter contado umas cinco rejeições.





— Er, bem. Não é bem assim...





— À essa altura, Pallet inteira já rejeitou ele. — Ash diz entre risos.





— Aquelas meninas não entendem o real encanto, apenas isso. — Defendeu-se, enrubescido.





— Anotarei isso então para seu futuro livro “como despistar uma garota” — ironizou Red, desenhando um sorriso maldoso em seus lábios. — Dica número um: compare elas com piranhas.





— Vai te a merda! — Gary taca seu travesseiro no amigo, retirando risadas dos demais.





— Aí... — mesmo que encarasse o teto, Black os chamam. — Vocês estão ansiosos para amanhã?





Os três amigos trocam olhares.





— É, bem — Ash abre um meio sorriso — um pouco, acho impossível não estar.





Red dá de ombros.





— Tanto faz para mim, eu estou mais triste por precisar acordar cedo do que ansioso. — Embora afirmasse isso, o tique em seu pé evidenciava uma ligeira ansiedade predominante em seu corpo.





— Faço das palavras do Ketchum as minhas. — Diz Gary, sem muita importância.





— É, ele me definiu bem também. — Concordou Black.





— Mas — interveio Ash — não temos com o que nos preocupar, certo? Chegamos a tempo na cidade, já desempacotamos o necessário, separamos o uniforme e estamos deitados e olha que são apenas dez da noite. Estamos preparados, então não tem como nada dar errado, certo?





— Certo? — Red arqueia a sobrancelha.





— Larga o negacionismo, Red! Tudo vai dar certo! — afirmou Black.





— Isso aí, isso aí! Chegaremos cedo como planejado e nada vai nos impedir!





Ash sorri, depositando sua fé nas palavras de seus amigos.





Mas nada era tão simples quanto parecia e na manhã seguinte, após o único celular programado para despertar perder toda a sua carga, a função ficou impossibilitada.





E tudo isso ocasionou um único resultado:





— ESTAMOS ATRASADOS!









TO BE CONTINUED

Publicado por: @Doton
09/04/2022

EDITADO DIA: 11/04/2022









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