Um piano ressonante | Capítulo I (2017)






Primaveras, verões, outonos e invernos. Um ciclo definido à medida que anos se esvaem como as folhas de uma partitura esquecidas na escuridão.





Kousei Arima, um dia mencionado por tratar-se de um prodígio musical, um metrônomo humano, traça uma das mais importantes fases de sua vida com uma aceitação imposta no destino: não poderá mais alcançá-la.





Entretanto, há mais o que ser alcançado em sua trajetória. O reflexo de sua vida sorri justamente a quem sempre esteve ao seu lado, Tsubaki Sawabe.





Assim como a música, a vida não atinge a perfeição. A prática, por sua vez, infere que melhoras sejam construídas com o decorrer do esforço de alguém. O mesmo vale para a vida. E ele aprendeu isso, graças a ela.









AVISO

Este capítulo se trata de uma versão ANTIGA de uma história. Para mais detalhes do que se trata este e futuros capítulos, direcione-se à seção Além, aqui, ou à subseção Crônicas de um piano ressonante, aqui, no topo ou no rodapé desta página.

O PAPO FOI DADO




[...]





O suave canto dos pássaros, melodia sintonizada com o tênue balançar das cerejeiras dispostas elegantemente pelas ruas do distrito de Nerima¹. O clima agradável, o desabrochar magnânimo das flores delicadamente rosadas e o resplendor do Sol em emitir seus raios indicam que o ápice da primavera seria contagiante, e talvez, nostálgico.





Em uma rua exuberantemente arborizada, banhada por incontáveis pétalas das redundantes cerejeiras, uma jovem caminha com passos notavelmente apressados.





Seu destino era incerto até então, mas por desacelerar gradativamente, deduz-se que não estenderia sua caminhada por mais tempo.





— Droga. Droga. Droga! Como eu pude me atrasar?! — Indaga a si mesma, em tom de culpa à sua atitude deplorável.





Tal personalidade falante demandava de um par de olhos — para a ocasião, um tanto arregalados — generosamente bonitos, mesclando entre o forte tom de mel e o destaque provocado pelo brilho que emitiam. Fato de que estava feliz com algo, ou se sentia absurdamente bem.





Chega à frente do portão de um grandioso sobrado. Deixa escapar um breve sorriso consigo mesma antes de tocar a campainha. Observa a construção com certo olhar nostálgico, puramente agradecido.





— É, depois de tanto tempo — Suspira. — E ainda não mudou nada.





Entre o tempo que aguardaria para ser atendida, a garota retira um celular do bolso. Checa as horas. Não passavam das 9. Não atrasou tanto como cogitou.





Mas, algo estava a atrasando agora. Decaindo o nível de paciência, pressiona a campainha três ou quatro vezes com força.





— Nem pense em tirar uma com a minha cara, Kousei. — Tamborila os dedos contra a grade do portão, enfatizando seu momentâneo estresse.





Não tardou para notar — bem mais à frente — que a porta principal se abrira. Desta, o rapaz propriamente dito surge desastrada e rapidamente.





— Sorte a sua de eu não estar com meu taco de beisebol agora! — Exclama a menina, em alto e bom som para que caia em tom de ameaça ao outro.





— De-desculpa, Tsubaki! Eu estava fazendo uns últimos ajustes antes de — Se aproxima do portão. — Bem, antes de te receber. — Sorri em meio a ofegos.





— Eu tô brincando com você, seu bobo. — Ri com gosto.





No momento que concede a abertura do portão, Kousei obtém melhor nitidez da imagem à sua frente, o que lhe rende uma sutil expressão surpresa.





Não estava mais visualizando a mesma Tsubaki dos tempos de seu colegial, e sim, uma garota que amadurecera e correspondera generosa e perfeitamente com o passar de 7 longos anos.





E, com isso, a observava de forma diferente e exclusiva desde então. Reconhecia cada detalhe que, antes não o chamava a atenção, a tornasse inigualável diante de suas lentes.





— O que foi, Kousei? — Logo, Tsubaki interrompe seu transe. — Correu tanto pela casa inteira que não conseguiu se recompor? — Emite certo ar divertido na voz.





— Para falar a verdade, me perdi nos seus olhos. — Ele sorri, de forma sincera e nem um pouco tímida. Direto e claro, sem deixar de expor seus sentimentos através de olhares e sorrisos significativos, como agora.





Tsubaki não responde com palavras, opta por corresponder o sorriso com mais graça e realização. Nota-se, de perto ou de longe, que dedicara vários minutos à frente do espelho para agrada-lo visualmente.





Não era mais uma garotinha do beisebol, afinal de contas. Seu lado feminino florescera com mais vigor, mas o que não a impedia de carregar certos gostos ou trejeitos. De qualquer forma, já era uma moça formada e seus 22 anos deixavam isso evidente.





Não abandonara seus cabelos curtos e castanhos, levemente ondulados e rebeldemente repicados nas pontas. Sua pele, impecável como o nítido reflexo em um piano, remetia um tom básico de maquiagem, nada muito exagerado. Não demandava de outras extravagâncias, como delineador e batom.





E, não parando por aí, escolhera cores claras para desfilar conforme as cerejeiras. Uma blusinha branca do tipo regata, com um decote, levemente estampada com algumas flores em lilás, proveniente de ser tecida com musseline. Um shortinho jeans alaranjado e decotado na barra. Um par de tênis do tipo All Star, vermelhos e branco, acompanhados de meias ⅛.





Escolhera tal combinação para, além do leve calor da estação, mostrar que seu corpo amadurecera conforme sua idade. Não que desfilaria de lingerie a todo momento, mas tinha satisfação por suas curvas acentuadas, sem quaisquer exageros. Logicamente que seu lado feminino gostaria de exibir um pouquinho de seus seios e de suas pernas para o menino, então a vestimenta servira como uma luva.





E para finalizar, ainda tinha o luxo de esbanjar algumas pulseirinhas no braço, bem como uma pequena bolsinha avermelhada.





Kousei também compreendera isso, contudo, de uma forma mais superficial. Não entendia bulhufas de maquiagem, de conjuntos e muito menos de beleza — e nem gostaria de entender — mas tudo o que conseguira visualizar foi que Tsubaki estava linda, e isso certamente era o fundamental.





— Como eu estou? — Ainda que tivesse um relacionamento com o rapaz, uma ponta de si ainda se sentia relutante em inquirir tal pergunta.





— Você está linda. Como sempre. — Sorri, a concedendo espaço para entrar. — Não, não. Hoje está mais do que os outros dias!





— Ah, Kousei. — Ri de leve, enquanto é chamada para um beijo.





Se deixa levar, mesmo na entrada de sua casa. Não tinha mais receios ou interrogações que a impediam de senti-lo dessa forma. Um beijo acentuado e carregado de satisfação, como se ele fosse a forma de ambos dizerem “bom dia”.





Desvencilham-se do gesto. Encaram-se um pouco, ambos expressando gratidão pelos olhos. Gratidão por mais um dia, por estarem juntos.





Se Kousei a vira como uma moça realizada, o mesmo conceito é aplicado por Tsubaki. Enxergava o rapaz à sua frente com outro ângulo, um que lhe trazia um ar mais másculo, talvez na mudança no tom da voz que acompanhara desde sua infância. Na barba recém feita, deixando apenas seu rosto definido sentir a brisa da primavera.





Não abandonara seus óculos, obviamente. Apenas trocara a armação, para uma semelhante à anterior. Também continuava desleixado em questão de pentear seus cabelos negros, sempre os deixando espatifados nas franjas.





Quem dera mudar a forma de vestir. Sempre aderindo às camisetas com estampas de alguma grife, figuras conceituadas ou, de vez em quando, bandas. Hoje mesmo, um time de basquete claramente exposto na parte frontal, destacando o azul-marinho e alaranjado dos destaques. Uma calça cinza, de brim, estilo esportiva, um tanto folgada para esconder seus velhos tênis.





Mas, aquilo era mais do que comum para ela. Era seu jeito, afinal. Impecável para a música, desastroso para visual. Tinha seu charme, afinal de contas. Não é à toa que o percebera na infância, compreendera na adolescência e convive com no exato momento.





— Vem, vamos entrar. Ainda temos muito o que fazer. — Diz Arima.





— E seu pai? — Indaga, por espontânea curiosidade.





— Ah, em Berlim. — Responde, sem muito caso. — Deve voltar em 5 dias, mas tem uma reunião de negócios marcada para terça-feira em Sidney.





— Entendi. — Por um lado, Tsubaki não se sentia confortável em saber da relação pai e filho que Kousei tivera desde tempos para cá.





Por outro, sentia-se feliz por notar o quanto o rapaz dedicara sua vida a crescer e fortalecer, independente de seus pais. O impiedoso sofrimento que o acompanhara diante de um tempo que lhe parecia eterno resultou em algo relativamente bom a si mesmo.





E claro, houve alguém que também lhe fizera muita falta. Alguém que trazia motivos para o piano ressoar sua melodia, que servia de exemplo em termos de superação e independência, que também deixara saudade para Tsubaki.





— Como vai o primeiro emprego? — Foi a vez de Kousei perguntar, tirando o olhar perdido e abatido de Tsubaki do canteiro de flores.





— Ah, tudo bem. — Sorri rapidamente. — Um pouco puxado, mas nada que eu não dê conta.





— Quem diria que você optaria por Medicina Veterinária? - Ri de leve, subindo os três degraus de concreto que o levariam até a entrada da residência.





— Às vezes, eu também me pergunto isso. — Ri também. — Acho que todos pensavam que o único animal que não fugiria de mim era um gorila enfezado.





O rapaz ri com o comentário, de forma proveitosa. Aquilo era bom para ela. O ver sorridente e despreocupado, por mínimo que fosse, a trazia uma sensação de alívio e de conforto. O amava muito, e sua perturbação ou frustração foram exorbitantes até 6 anos atrás. Metade desse mesmo tempo e foi pedida em namoro. Nunca disse um “sim” com tanta vontade como naquela hora.





Enfim, adentram. Tsubaki retira seus All Star antes, por tradição. O mesmo clima levemente seco e a mesma penumbra causada pelas cortinas. Se sentiu em casa, a ponto de relembrar os tempos que convidava o pequeno Kousei para brincar. Era um cenário triste e sombrio.





— Você não tem o hábito de abrir as cortinas mesmo, hein? — Indaga Tsubaki, com as mãos na cintura.





— Ah, é que, bo-bom — Coça o pescoço. — Eu estava, ér — É interrompido.





— Sei, sei. Estava fazendo sei lá das quantas. — Diz, abrindo a persiana da sala. - Você pode pegar uma alergia com essa casa toda fechada, já pensou no mofo que acumula aqui?





— Eu limpei essa parte não tem tantos dias assim. — Revira os olhos. Plenos 22 anos e ainda recebia uma bronca de sua namorada. Não que achasse ruim, mas poderia ter deixado para uma próxima.





— Hm, é mesmo, é? — Passa o indicador sobre o parapeito da janela. — Não é o que me parece.





— Você não veio aqui para bancar a minha babá, certo? — Ostenta de um sorriso irônico.





— É, não. — Ri de leve. — Tudo o que mais quero é aproveitar esse sábado ao seu lado.





[...]





Adentram a outro recinto, nostálgico para ambos. O ar gélido e seco, a penumbra marcante com o reflexo de algo inesquecível. Não tarda muito para Kousei abrir a cortina, antes que Tsubaki tivesse um treco.





Assim, revela o atual status do seu quarto de música, o que surpreende a moça. Livros devidamente enfileirados e catalogados na estante, livres de poeira e mofo. As teclas do piano reluziam seu reflexo, de tão bem lustradas, bem como sua base inclinada. O ambiente não carregava mais aquela atmosfera sôfrega e pesada. Havia mudado, definitivamente.





— Pode me esperar aqui um pouquinho? — Pergunta o rapaz.





Tsubaki atrasa alguns segundos com a resposta, mas acena positivamente com um murmuro afirmativo. Ainda estava um pouco pasma com a gigantesca organização perante à personalidade que bem conhecia.





Na ausência de seu parceiro, passa a observar os livros na estante. Claramente que se tratavam de música, partituras e afins, coisas que ela não entendia patavinas, mas sorria consigo mesma de admiração por quem os dominasse de ponta a ponta.





— Ele não abandonou a música. — Diz consigo mesma. — Mesmo depois de tanto tempo — Se aproxima do piano de cauda.





— Demorei? — Logo, a voz do menino a assusta de leve.





— Ah, não, foi be— Assim que se vira a Kousei, seus olhos arregalam.





Aos olhos de qualquer pessoa, Arima segurava uma bandeja de café da manhã. Aos olhos da moça, seu namorado preparara o café da manhã para si mesma.





— Ah, eu não sabia se você preferia mel ou geleia nas panquecas. — Sorri forçado. — Então, eu trouxe os dois.





Realmente trouxera os dois, e tais panquecas exalavam certo aroma promissor e atraente. Além disso, preparara uma omelete com tomates e pimentões, duas tigelas de mingau de farinha de arroz e alguns biscoitos de aveia. Nada muito inovador, porém, simples e especial.





— Ah, Kousei. — Tsubaki não consegue controlar seu lado sentimental, deixando um sorriso comovido tomar sua expressão.





— Espero que goste. — Sorri. —Vem, vamos comer.





— Aqui mesmo? — Estranha o fato do rapaz sentar-se num tapete no canto do quarto.





— Sim.





— Ah, tudo bem. — Responde, simples.





Por fim, se senta. Talvez se sentira um tanto intrigada, devido a ter de cruzar as pernas para se sentar e não havia nenhuma mesa como “obstáculo” à sua frente. Sentira falta de um obstáculo por confirmar que escolhera um shortinho curto demais.





— Então, eu estava pensando — Inquire o rapaz. — O Watari está na casa dos pais essa semana, seria legal fazermos uma visitinha a ele mais tarde, não seria?





— Uhum. — Diz, enquanto mastiga. Após finalizar, seu paladar remete uma expressão condizente com o gosto das panquecas. — Nossa, está delicioso. Você que fez?





— Por incrível que pareça, sim. — Faz uma breve pausa até a afirmação, o que gera risos em ambos. — Levei quase 5 meses para aprender a fazer uma panqueca, quem dirá para preparar curry?





— Eu aprendi a fazer curry com 13 anos. — Comenta a menina. - Minha mãe ficou impressionada como eu aprendi com facilidade.





— Ah, mas você sempre se empenhou em tudo que queria fazer. — Comenta, com ar de admiração.





Até bateu o pensamento “ao contrário de mim, no passado”, na mente do rapaz. Demorara muito para focar sua dedicação e empenho em algo que gostasse, sem que fosse a mando de outra pessoa — ou exclusivamente sua finada mãe.





— Nem tanto. — Ela ri. — Eu gostava de ir ao colégio apenas quando praticava beisebol, era uma negação em matemática e não conseguia entendê-la.





Se relembrasse de sua época de colegial, diria a ela que apenas frequentava o colégio como um refúgio de sua realidade. Mas, não gostaria de dizer isso, visto que provavelmente a preocuparia, o que não precisava ser o caso.





— Mas, hoje se tornou uma médica veterinária de sucesso.





— Você está dizendo isso só para me envergonhar, eu sei. — Retruca a menina, fazendo jus à sua fala.





— Longe de mim. — Sorri. — Desde tempos para cá, você se empenhou na faculdade de uma forma tão, assim, surpreendente que eu fiquei no chinelo. — Ri de leve, partindo um biscoito em dois.





— Foram 4 anos bem difíceis. — Suspira, encarando suas pernas por um breve momento. — Bom, quando a gente faz o que gosta, há de dar certo, né? — Emite um sorriso serelepe.





Tão serelepe a ponto de Kousei ter uma breve imagem da Tsubaki de anos atrás, travessa por natureza e destruidora de vidraças. Obviamente que perdera as contas de quantas boladas recebera durante todo seu ensino médio, tampouco lembraria a despesa com novos vidros.





Isso não o incomodava mais. Pelo contrário, até sentia gosto em relembrar de alguns momentos.





— Sabe, Kousei. — Adiante, a menina o retira de sua viagem temporal. — Você teria paciência de, bem — Se interrompe, mastigando as palavras que diria, um tanto encabulada.





— O quê? — Ajeita seus óculos, confuso.





— A-Ah, eu sei que não levo jeito e acho que até o desvalorizei algumas vezes por isso, mas — Passa a mão por seus cabelos, demonstrando vergonha. — Me ensina a tocar uma música?





Gesticula sua cabeça em direção do piano da mesma forma que uma criança cativa o coração dos pais quando pede por algo. Kousei, após realçar certo espanto, abre um sorriso bobo no rosto, que se converte em uma breve risada.





— Eu não poderia recusar, Tsubaki. — Se levanta.





Sendo assim, a moça se levanta também. Dividem o pequeno assento em frente ao majestoso instrumento negro.





— Vejamos — O rapaz observa as teclas, como se as mesmas ministrassem o que seria feito. — Vamos começar com algo bem simples, ok?





— Tudo bem. — Sorri e volta a olhar para as teclas.





— Então, vamos localizar a nota “dó” antes de — Antes que termine, observa o indicador de Tsubaki apontado à nota correspondente.





— Surpreso? — Arqueia as sobrancelhas, com ar de vitória.





— Não há como não me surpreender com você. — A beija freneticamente por todo seu rosto, a fazendo rir um pouco.





De volta à “aula”, posiciona suas mãos levemente inclinadas sobre as teclas. A menina apenas foca seu olhar nos movimentos e olhares do outro, um tanto curiosa.





— Eu vou ser seu guia, e você vai tocar as teclas suavemente. Se você as tocar com força, o piano não vai te corresponder. Agora, se as tocar com calma, vai perceber que alcançará o som que deseja.





Por um momento, percebera que usara as palavras de sua falecida mãe. Um choque nostálgico, que não o abalou de forma negativa. O convém um sorriso agradecido por tal. Aproveitando o embalo, segura o pulso da menina pela parte inferior como se segurasse uma fina joia.





— Apenas me acompanhe. — Diz, de forma clara e segura.





Tsubaki concorda com um aceno, e se deixa levar pelos movimentos do pianista. Suavemente, produz uma “dó”, seguida de outra. Como as ondas do mar, sua mão é conduzida até a “sol”, e novamente, até migrar para “lá”, também duas vezes.





Reconhecera tal melodia. Seria impossível não reconhecê-la, não pela simplicidade do início mas por se tratar de algo familiar a si mesma. Seus dedos trabalham com mais elegância e produzem outra “sol” com mais autoconfiança.  Por fim, regride às “fa”, “mi”, “ré” duas vezes, finalizando em uma única “dó”.





Produzira um som, afinal de contas. Por mais que tivesse um instrutor e aquela música era considerada a mais básica de todas, estava feliz da mesma forma.





— Gostou? — Pergunta Kousei.





— Sim. — Sorri em direção do menino.





— Eu vou levar essa bandeja até a cozinha antes que aconteça algum acidente — Se levanta. — Pode praticar qualquer outra coisa que tenha em mente, se quiser.





— Tudo bem.





Admirava o som do piano, evidentemente. Admirava mais ainda quem o tocava. O que podia fazer era apenas experimentar o som produzido por aleatórias notas. Pressionava-as com cuidado, da mesma forma a qual fora ensinada.





— Eu não sei o que inventei, mas vai ser chamada de “Tsubaki Song”. — Ri consigo mesma.





Resolve apenas aguardar pela volta de Arima. Contempla a organização sobre estantes e mesas, apenas passando os olhos por cima. Não demorou muito por algo lhe chamar a atenção.





Um porta-retratos, o único dentre muitas outras aleatoriedades sobre uma mesinha de madeira. Sua curiosidade fala mais alto e o pega.





Na fotografia, observa uma garotinha loira minúscula, ao lado de outra, ambas sorrindo e indicando um “v” com os dedos para a pose. Mais ao fundo, um pequenino garoto de óculos que reconhecera no mesmo instante, bem como a loira.





— Eu nunca reparei nessa foto aqui. — Diz, a observando com um olhar significativamente abatido, contudo, admirador.





Não pode deixar de notar um pequeno envelope quase oculto mais atrás de uma pilha de livros. Ganhou a questão do porquê de nunca ter reparado, visto que estava praticamente escondido.





[...]





— E então, treinou bastante? — Passados uns minutos, Kousei adentra ao quarto novamente.





Só então percebe que o rosto de Tsubaki encontrava-se totalmente alterado de quando a deixara. Marcado por lágrimas e desmoronado por expressão.





— Tsubaki? O que voc— Antes que manifeste sua preocupação gritante, a moça revela tal envelope oculto pela outra mão.





— A—Agora, eu entendi porque você sofreu tanto. — Enxuga suas lágrimas entre uma respiração pesada.





Sem mencionar qualquer palavra, Kousei a envolve em um quente e acolhedor abraço, o qual é recebido sem receios pela jovem.





— Po-Por que nunca me disse nada, Kousei? — Murmura.





— Não queria a preocupar. — Sussurra, a envolvendo mais em seu abraço.





Podia estender sua frase, mas a realidade era essa. Não escolhera o destino que seria tomado perante isso, muito menos o que viria após. Sempre foi do tipo que sofrera em silêncio, até o ápice de seus sentimentos remoídos entrarem em colapso.





— E-Ela faz muita falta. — Diz Tsubaki.





Não ouve resposta, mas sente o assentimento do jovem.





Kaori Miyazono, uma jovem violinista que o tempo não demonstrara gentileza e o destino ficara sobrecarregado de leva-la aos anjos. Difícil dizer o que e como ela marcou, tanto na vida de um quanto na vida da outra.





Para ele, uma nova forma de viver foi estipulada. Ao lado dela, sentia que havia motivos para se levantar da cama todos os dias, mesmo que discutisse, acabasse levando sermões e alguns tapas, chutes e coices.





Tudo aquilo, na verdade, foi o melhor incentivo para que tivesse forças para dominar a arte da música como um verdadeiro pianista, não uma marionete. E principalmente, o que agradece até os dias atuais, por sua música alcançar aquela que mais desejava.





Para ela, pode ver que seu sentimento por Kousei não era o mesmo que uma “irmã mais nova”. Pode compreender que, mesmo com as dificuldades que Kousei enfrentava ao longo de seu trajeto, seria a sua pessoa que estaria ali, o ajudando a levantar e caminhar novamente, do seu jeito um tanto agressivo e diferente.





O destino de duas pessoas estava predestinado por muitos fatores. Pode-se dizer que foi necessário um “empurrãozinho” para as engrenagens começarem a rodar.





E ela sabia que Tsubaki ficaria ao seu lado. Ele, por sua vez, não a esqueceu, mas sua vida teria de continuar, assim como a parte amorosa dela.





No fundo, os dois são extremamente gratos por ela. Disso, pode-se inferir, com plena certeza, que jamais a esqueceriam.





— Quero te levar a um lugar. — Diz Kousei.





— Hm? — O rosto de Tsubaki encontra-se com o do rapaz.





— Você vai gostar. Vem! — A puxa rapidamente pelo braço.





— Ei, calma! Eu ainda consigo andar, calma!





[...]





— O parquinho?! — Indaga Tsubaki, incrédula.





O parquinho. Lar temporário de algumas crianças que por ali dedicavam horas de suas vidas com brincadeiras fundamentais à infância, sejam elas nos brinquedos, no gramado, no solo cheio de castelinhos de argila ou até mesmo por trás das cerejeiras, com o famoso esconde-esconde.





O que era de se estranhar são dois jovens-adultos no local, o que vira alvo de olhares curiosos e sussurros propriamente relacionados ao casal.





— Sim, o parquinho. — Kousei sorri, se espreguiçando. — Ah, como é bom o sol da manhã! Faz um tempo que não o sentia dessa forma.





— Se você queria apenas tomar um banho de sol, por que não fomos ver o mar? — Cruza os braços.





— Porque eu tenho algo para fazer aqui. — Olha aos lados. — Ali. Pode esperar sentada atrás daquela cerejeira? — Aponta.





Não estava muito longe de si, mas Tsubaki não deixava de estranhá-lo. Optou por aceitar, sem questões.





— Deve estar ficando maluco de vez. — Apoia-se contra o tronco da árvore.





[...]





Passada aproximadamente meia hora, percebe-se que todos os fatores da natureza contribuirão para que a moça adormecesse à sombra da árvore. Logo, dois dedos unidos a cutucam.





— … Hm? — Abre os olhos lentamente. A primeira coisa que enxerga em sua frente é uma armação preta, além de um par de orbes azuis. — Kousei…?





— Bom dia, Bela Adormecida. — Acena com um sorriso. — Dormiu bem?





— Engraçadinho. — Resmunga e boceja. — O que você — Abraça suas pernas, um pouco sonolenta. — O que você foi fazer, afinal?





— Uma coisinha que julguei ser bem importante. Quer ver? — Concede sua mão.





— Ah, sim, claro. Obrigada. — Aceita ajuda para se levantar.





Estapeando-se levemente, Tsubaki combate o sono que a ninara há instantes. Acompanhada de Kousei, os dois dirigem-se a um pequeno campo de areia.





A essa altura, a menina já conseguira enxergar sobre o que se tratava a tal importância que falara. Não conseguira deixar de demonstrar surpresa em seu olhar.





— Aqui está. — Kousei “apresenta” o chão arenoso, onde duas esferas de argila compartilhavam espaço, juntas.





Eram apenas duas bolas feitas de argila, que brilhavam aos olhos de Tsubaki. Não pode conter as lágrimas de tamanha emoção. O passado unido com o presente nunca fora tão satisfatório, mesmo sendo algo tão simples e fútil.





— S-Seu bobo. — Deixa rolar um notável sorriso.





— Quer tentar as levar para casa de novo?





— Não, elas estão bem do jeito que estão. Juntinhas.





— Assim como nós. — Une sua mão com a da garota.





— Eu te amo, Kousei. — Fixa seu olhar no menino, remetendo tal frase por seus sinceros e castanhos olhos.





— Eu também te amo, Tsubaki. — As orbes azuladas de Kousei não ficam para trás e a observam com muita admiração.





Deixam o parquinho para as crianças, independente das esferas de argila. Não seria problema criar outras, contando que sempre tivesse a quem mostrá-las. O caminho se torna mais silencioso a medida que se distanciam da gritaria e risadas da criançada.





— Bem que poderíamos visitar o clube de beisebol de Kitaji antes de visitarmos o Watari, né? — Sugere tal ideia com um sorriso.





— Longe de vidraças? — Arqueia uma sobrancelha e esconde a vontade de rir.





Bem longe delas, Kousei. Bem longe. — Ambos riem.





— Decidido, então.





— E você vai tentar jogar, hein?





— Ah, sério?!





— Sim, senhor! Eu vou te mostrar como fazer um legítimo home run!





Afastando-se do casal e deixando-os conversarem a ponto de uma possível discussão se formar, observemos apenas a maneira de como o tempo cooperara para entrelaçarem sentimentos fortes pelo outro, visando que o amor, em alguns casos, deve ser vivido e aproveitado sem receios, mágoas, obstáculos ou outros derivados.





Houve perdas, ganhos, felicidades, tristezas. Momentos incomparáveis, bem como situações indesejáveis. Afinal, nenhuma vida é feita apenas de altos. Que o tempo seja generoso em conceder todas as emoções que essa fase possa proporcionar, de maneira que a vivam como a partitura ganha melodia por aqueles que a seguem com o coração.





The End





É ISSO MESMO

PUBLICAÇÃO ORIGINAL EM 25/05/2017

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