Capítulo I | Five

Após o misterioso sequestro envolvendo dezesseis adolescentes sem qualquer vínculo entre si, o mundo Pokémon entrou em estado de alerta. Além das autoridades mobilizadas e das manchetes atualizadas a cada instante, ainda não se sabia, ao certo, as verdadeiras intenções por quem estava atrás dos panos.
| Mas, e se, de alguma forma, um grupo de vítimas conseguisse almejar a liberdade?
Neste conto não-canônico de Pokémon Tales - Five Islands, um convite à imaginação é imerso por novas aventuras de quatro personalidades que ainda terão muito pelo que apreciarem ou temerem.
AVISO
Para mais detalhes do que se trata este e futuros capítulos, por favor, direcione-se à seção Cinco, aqui, no topo ou no rodapé desta página.
O PAPO FOI DADO

ATO 1: (A)ONDE ESTAMOS?
Aliás, e o jogo de ontem, apostou em quem?
— Cara, como consegue pensar em baseball em um momento como esses?!
— Desculpa, é que eu fico nervoso sob muita pressão. Os psicólogos dizem que é crônico, infelizmente.
— Percebe-se. — Suspira pesarosamente. — Reduz essa velocidade, gostaria de chegar até o destino sem qualquer acidente ou coisa pior!
O condutor, percebendo o velocímetro acusando uma velocidade absurda, aciona o pedal do freio bruscamente. O furgão não contava com muitas tecnologias ou uma ótima estabilidade e infraestrutura, então um solavanco considerável abalou suas estruturas.
Sobre seu painel, uma caixa de pizza denunciava o número exagerado de horas consecutivas na pista, além de uma exorbitante bagunça mesclada com alguns papeis aparentemente importantes e monitores com radares geográficos e imagens de algumas pessoas.
Por sorte, a travessia estava entregue aos mortos. Pudera, embalados por uma penosa tempestade combinada com o perigo da escuridão nas estradas, podiam esbanjar dos faróis altos sem problemas.
— Aqui é o quadrante-X03, estamos a 10 quilômetros das coordenadas de extração. Repito, estamos a 10 quilômetros das coordenadas de extração. — O passageiro informa via um comunicador. — Câmbio e desligo.
— Me deram o codinome “quadrante-Y14”. Qual o seu nome? — Indaga o motorista, ligeiramente curioso.
— Para que diabos você quer saber o meu nome, cara? Somos sequestradores, não amiguinhos do colégio! — Rebate com tamanha incredulidade em seu semblante.
— Bom, se estamos juntos, precisamos estabelecer laços de confiança. Vai que algo não sai conforme o planejado e precisamos nos unir?
— ... Quanto mais eu rezo, mais maldições cruzam o meu caminho. — Estapeia o seu rosto de leve, tão pouco reconhecível com sua máscara de gás e aparatos oculares.
— O meu é Sheldon. Sabe, as pessoas sempre riram de mim quando estive na escola.
O outro nada diz, apenas continua a observar a cachoeira de pingos se formando na janela do veículo.
— Eu sempre quis ser um diretor de cinema, para ser sincero. Mas acho que não conseguiria fazer um filme com cartões de crédito. — Ri com nervosismo.
Inconformado com tamanhas e aleatórias informações, o outro indivíduo encara o falante, discrepante.
— Que tipo de diretor de cinema se chama Sheldon?! Você nunca conseguiria ser um diretor com esse nome e, aliás, cartão de crédito?!
Na cabine do furgão, totalmente revestida em metal e sem qualquer conforto, um amontoado de quatro jovens poderia disputar espaço se desejasse. Entretanto, estavam aparentemente desacordados.
Todavia, outra freada brusca a ponto de revirar qualquer objeto na cabine. Com os corpos entregue à gélida superfície do caminhão não foi diferente. Uma das vítimas — um garoto extremamente pálido, por sinal — foi a contemplada em se chocar contra a porta do furgão.
Com o tremendo impacto, impossível seria não reconsiderar seu estado letárgico. Vagarosamente, sua feição se converte em expressões incômodas e/ou dolorosas.
— Aliás, o que essas quatro crianças têm de especial? Me parecem tão aleatórias quanto quaisquer outras!
— ... Hã, o quê...? — Murmura. Geme de dor após movimentar seus braços.
Tardou apenas irrisórios instantes para sua visão se acostumar à escuridão do ambiente — ainda mais se chocar com a realidade da situação que, até então, desconhecia de como havia chegado até ali.
— Nosso trabalho não é saber quem são ou para que servem essas crianças, seu tonto! Continue prestando atenção na estrada!
Visualizou brevemente os acompanhantes desmaiados consigo. Não reconheceu nenhum deles, a princípio. De relance, eram mais dois garotos e uma garota.
— Ah, mas olha esse casal aqui! Parecem ser irmãos. Por que os dois não foram capturados?
O rapaz, ainda sob efeitos de tontura, tenta se estabilizar de pé. A velocidade do automóvel combinada com o asfalto áspero não o permitiram avançar muito. Se apoiou contra a parede, o que julgou bem melhor, para início de conversa.
— Yuuta e, meu deus, Ayane, é isso? Que tipo de nome é Ayane?!
A situação não se fazia mais ideal, todavia, o diálogo abafado que conseguia captar — de fontes que sequer tinha conhecimento — trazia palavras-chave que, involuntariamente, desabam sobre a consciência do rapaz com estonteante dor.
— Ela não é aquela que o setor D-03 em Unova capturou e forjou a morte há tanto tempo para... para que era mesmo?
Para ele, o fato de estar aprisionado ali com essa ligação indireta às tais palavras teria algum presságio do qual poderia, ou melhor, gostaria de se recordar. Por mais que forçasse, não obteve nada além de poucos detalhes antes de ter sido enclausurado em quatro paredes.
— Como se você tivesse muita propriedade para falar algo, né?!
— Ei, você ainda não me disse seu no—
— Foco, idiota!
Por falar em foco, o garoto também estabeleceu o seu. Escapar. A qualquer custo. Gostaria de pensar em um plano eficaz, porém, sozinho e com três corpos entregues à deriva, só lhe atiçou seu ataque de nervosismo.
Sentado em um canto, esperando a ideia descer em um pergaminho divino, chacoalhava sua perna direita intensamente enquanto entrelaçava e desentrelaçava seus dedos. Poderia acordar os demais para a união fortalecer um futuro plano de fuga, mas não tinha nenhuma garantia de quem eram aquelas pessoas e quais seriam seus propósitos ali — se é que tinham, assim como ele, algum.
— Quadrante-X03 em reporto da missão, estamos a 5 quilômetros das coordenadas de extração!
Tal quilometragem ganhou destaque no desespero do rapaz em, principalmente, ter de agir e rápido. Decidido, engatinhando, se dirigiu à montanha de pessoas dormentes.
Não ousaria gritar por motivos óbvios. Sacudiu, estapeou e ousou até fazer cócegas em cada um dos três. O primeiro a reagir aos procedimentos nada delicados foi um rapaz moreno com uma penca de dreads.
Em contrapartida com o despertar do segundo rapaz, o ambiente ecoa altos ruídos. Na verdade, era alguma música clássica.
— Ah, agora sim! Nada como uma boa música para descontrair essa viagem!
— Ei, quem é você e— Antes que o recém-despertado proclame em alto e bom som, o outro o segura e tapa a sua boca.
— Você acorda dentro de um caminhão em movimento com várias pessoas e a primeira coisa em que pensa é gritar para deus e o mundo que acordou? — Indaga em claro e baixo sussurro, o largando.
— Olha, eu — Diz, acomodando seus dreads ligeiramente desfeitos. — Quem é você?
— Eu? “Quem é você?” pergunto eu, isso sim! — Eleva alguns oitavos na voz, nada prejudicial ao estrondo de violoncelo do recinto.
— Olha, somente os idiotas respondem uma pergunta com outra pergunta. Você é idiota? — Arqueia uma das sobrancelhas.
— É mesmo? — Enfatiza com um sorriso sarcástico em seguida.
— ... Tudo bem, eu acho que fui com a sua cara. Eu me chamo Kai. Kai Mansur.
— Yuuta. Yuuta Kazami. — Estende a mão. O gesto é correspondido. — Se lembra de alguma coisa que aconteceu aqui?
— Eu me lembro de um Mantine e de- ai! — Massageia certa região do rosto proveniente roxa. — Provavelmente ter levado um soco.
— Um só? Me parece que você foi atropelado de surras. — Ri de leve. — Mas você ainda se lembra de algo, pelo menos.
— Eu estudei uma vez que lembranças estão associadas ao cérebro, então — Cruza os braços, se fazendo de desentendido. — Vai saber, né?
— Ok. — O semblante risonho de Yuuta se desfaz imediatamente. — Acorda aquela menina ali que eu vou acordar esse aqui.

Após poucos minutos, o trabalho árduo de acordar os demais fora executado com êxito, ainda que os dois restantes apresentassem os mesmos sintomas iniciais anteriores.
— Olha, antes que vocês pensem que temos algo a ver com isso, acordamos na mesma situação em que estão agora. — Explica Yuuta.
O rapaz com a cara e roupa amassadas e espatifadas apenas o escuta, ajeita seus óculos de maneira despretensiosa e ligeiramente desajeitada e mais nada.
A moça, por sua vez, direciona o olhar perdido a um, a outro e para o último, energicamente. Provavelmente procurava por aquele que representava a maior culpa de estar presa ali, ou em alguém que pudesse depositar um teco de confiança.
— Então, esse aqui é o Yuutá Kazami e eu sou o Kai Mansur. — O moreno se manifesta.
— É “Yuuta”, apenas. — Revira os olhos.
— Bem, eu me chamo Anne. — A menina desliza um fraco e não-convincente sorriso. — Anne Shabboneau.
— E o quatro-olhos caladão aí atrás? Teria a honra de nos dizer seu nome? — Sugere Yuuta, em um semblante ligeiramente descontraído.
— Vamos lá, cara! Você pode falar com a gente! — Continua Kai. — Parecemos estranhos, mas você parece que acabou de sair de um hale ho’okipa.
do havaiano: hospedaria, albergue
— De um o quê? — A pergunta surge de Yuuta, notavelmente confuso com o termo. A mesma coisa para simbolizar a expressão da garota que, por ora, não perguntou nada.
Depois de breves segundos em relutante silêncio, o referenciado se posiciona.
— E que diferença faria vocês saberem o meu nome ou não? — Devolve a pergunta com certa rispidez.
— Nossa. — Murmura Anne, após arregalar os olhos ligeiramente por inconformismo.
— Olha, sinceramente, eu não acho que faria diferença. — Diz Yuuta, nem um pouco transpassado com o comentário. — Mas, como estamos juntos nessa, seria bom se todo mundo colaborasse.
— Hm. Ok. — Responde o portador de óculos, simples. — Neil. Neil Campanella.
— Ok, o Com Panela tá com a gente! — Exclama Kai, com um sorriso. Logo, tem a ligeira impressão de que vibrou mais alto do que deveria.
— A quem quero enganar, devo estar mais seguro ao lado de um grupo de Ursaring assassinos do que vocês. — Suspira Neil, relutante em continuar o diálogo.
— Quadrante-X03 em reporto da missão, estamos a menos de dois quilômetros das coordenadas de extração! — Em meio ao som de Tchaikovsky, a voz do sequestrador é anunciada.
— Olha, eu não sei o que esse X03 representa, mas não podemos ficar marcando bandeira aqui. — Intervém Yuuta num semblante completamente sério e resolvido.
— E como a gente pode sair de um furgão a sabe-se lá a quantos km/h? — Pergunta Anne, ligeiramente desconvencida com a ideia.
— Além disso, o único jeito de sairmos daqui nesse meio tempo que nos resta é chamando a atenção do motorista, de alguma forma. — Diz Neil, mordendo a unha de seu polegar de maneira intensa e obsessiva.
— Até que para um recluso, você é bem inteligente quando quer, não? — Yuuta se surpreende com o posicionamento do rapaz.
— Tem alguma ideia, Kai? — A pergunta parte da menina.
Não tardou muito para a quietude reinar entre todos e perceberem que o havaiano concentrava seu olhar em algum local impreciso. Depois de breves piscadas, o rapaz encara um a um.
— Ah, desculpa. Eu estava um pouco longe. — Sorri.
— Percebe-se. — Neil revira os olhos.
— Precisamos de um plano para sairmos daqui, e bem rápido. — Yuuta resume o plano.
— Podemos usar nossos Pokémon, ora essa. — Responde o moreno.
Alguns segundos de dúvida pairam sobre o quarteto. Uma ideia genial, entretanto, dadas as circunstâncias, como estariam com seus companheiros presentes no furgão?
— Isso é ridículo e — Ao aprofundar a mão em um dos bolsos de seu jaleco, o rapaz de óculos sente a presença de um objeto. — Espera, o que-
Retirada uma Pokébola de seu bolso, os demais, além de incrédulos com as circunstâncias e planejamento do diante sequestro que supostamente teve uma falha, procuram por suas respectivas cápsulas em algum canto guardado em suas vestimentas.
— E não é que está aqui mesmo? — Yuuta a lança para o ar e a segura de volta. — Beleza!
O primeiro a liberar o monstrinho da esfera encapsulada foi Kai. Dela, um Poliwhirl se arremessa sobre seu colo.
— Também senti sua falta, amigo! — Nota-se o ligeiro desconforto na voz pelo impacto do Pokémon ao seu corpo.
— Que bonitinho! — Ainda que passiva no quesito relacionamento, Anne se aproxima da criatura de água, com um convidativo sorriso.
— Ah, ele gosta que o acariciem. Fique à vontade, Anne Sabonete. — O rapaz ri ligeiramente baixo.
— Acho que tem alguém que vai gostar da companhia de um Pokémon de água. — Yuuta concede espaço para o seu Pokémon ser liberado.
Não tardou muito para revelar um frenético Totodile que, a ponto de mal se acostumar com o ambiente, usa o braço de seu treinador para afiar seus dentes.
— B-Bom te ver também, Peste. — Sorri forçado.
— O nome do seu Pokémon é Peste? — Indaga Kai. — Devo dizer que combinou muito com ele.
Continuaria a comentar sobre Totodile se não recebesse um olhar desafiador e mal-encarado do pequeno crocodilo.
— Ele é um bom companheiro, só precisa se acostumar com vocês e crer que pode confiar em todos. — Explica Yuuta. — E vocês dois, o que têm em suas Pokébolas? Não temos muito tempo aqui, deixemos a hora do chá para mais tarde.
— Acho que meu Pokémon não vai se sentir muito confortável aqui. — Diz Neil, guardando sua Pokébola em seu jaleco.
— Ah, qual é? — Ironiza Kai. — A menos que você tenha um Wailord, aí concordo com você, embora não quisesse fazer isso!
O quatro-olhos suspira e, a fim de evitar uma linha de diálogo contínua e insistente sobre seu parceiro, resolve colocar a Pokébola em ação.
Da terceira cápsula, é liberada um Fletchinder.
— Eu via muitos Fletchinder antes de ser arrastada para cá, eram nativos da minha região. — Diz Anne, com um sorriso.
O clima sereno é interrompido quando o pequeno pássaro rasa em direção da cabeça de Yuuta e começa a bicá-lo sem precedentes nem piedade.
— Ei, Fletch! Pare com isso! — Seu dono se levanta e caminha até a vítima das indelicadas garras e bico do Pokémon.
Percebendo a inquietude e, acima de tudo, contra seu treinador, Totodile dispara um jato de água poderoso contra sua cara. Com isso, Fletchinder recua com destreza e desespero.
— A-Ai, eu- eu tô bem... — Diz Yuuta, massageando sua cabeça.
— Eu não posso rir. Eu não posso rir. — Kai mentaliza seus objetivos em voz alta, apesar de tremer os lábios momento ou outro.
— Quadrante-X03 em reporto da missão, estamos a 700 metros das coordenadas de extração! Abram os portões! — O anúncio vindo da parte da frente do furgão retoma o estado de alerta de todos.
Além disso, a música do rádio é interrompida.
— Droga, agora que iam transmitir um pouco de Strauss.
— Ok. Anne. — Yuuta passa a sussurrar. — E o seu Pokémon?
Sem mais, a garota o libera ao público. Tratava-se de uma Misdreavus com um semblante bem humorado e receptivo.
— Ela detesta ficar em uma Pokébola, aliás. — Diz a moça, a admirando por sua animação em estar livre.
— O meu Poliwhirl também nasceu para ser livre. — Comenta Kai, recebendo um sorriso de Anne como resposta.
— E se usássemos sua Misdreavus para dar um susto no motorista? — Intervém Neil.
— A ideia é fugirmos daqui, não pregar peças nos sequestradores. — Diz Yuuta.
— Justamente por isso. — Ajeita seus óculos arredondados. — Podemos ganhar tempo, bolar alguma situação ou até mesmo forçar um acidente para conseguirmos sair daqui.
— Acidente? — Indaga Anne. — E se a gente sair mais prejudicado do que eles?
— Não vejo outra ideia em tão pouco tempo que possuímos. — Finaliza o idealizador.
— Acha que consegue ajudar a gente com isso, Muma? — Anne se aproxima de Misdreavus, um tanto relutante em acatar a ideia.
A pequena fantasma acena em positivo, um tanto peralta, por sinal.

ATO 2: PLANO (B)EM (B)OLADO
Os portões referidos podiam ser vistos ao longe, sendo abertos lentamente, sob a escolta de portarias iluminadas e alguns guardas de tocaia no ambiente. A essa altura, o furgão já reduzira drasticamente a sua velocidade.
— Ok, melhor arrumar essa bagunça que você fez aqui antes de chegarmos lá. — Diz um dos homens, recolhendo a caixa de pizza e alguns pedaços de papel sobre o painel.
— A pizza estava boa, vai! — O motorista sorri. — Embora o tempero não estivesse lá grande coisa.
— Ah, isso explica o fato de termos que parar duas vezes pela sua má digestão.
Sem que nenhum dos presentes interagisse, o rádio é ligado novamente.
— Eu já não falei para desligar essa porcaria?! — Vocifera o olhar sobre o outro.
— Ma-Mas, eu sequer cheguei perto do botão! — Comprova com as mãos firmes sobre o volante.
— Eu não posso piscar por um segundo que você quer acabar com nossa reputação, só por deus! — Desliga o rádio.
Em seguida, a trava elétrica dos vidros é acionada, trazendo a forte corrente de pingos para dentro dos assentos.
— Você ficou maluco?! — Imediatamente, aciona o botão da trava. — Larga a mão de agir como um pateta!
— E-Eu não fiz nada, eu juro! — Acusa as mãos em defesa, largando o volante por um instante.
No justo e precioso momento em que o controle é liberado, toma a iniciativa de girar completamente para a esquerda.
— MAS O QUE ESTÁ— Antes que pudesse reclamar de mais uma atitude descabida do parceiro, a velocidade de rotação causa um forte impacto de sua cabeça contra a janela.
— O volante está possuído!! — Desespera o motorista. Ao invés de tomar seu posto e assumir o controle de volta, permanece em pânico com a quantidade de alertas e botões sendo acionados no painel.
— Faça alguma coisa, pare esse furgão! — Recompondo-se da dor do impacto, o outro indivíduo impõe a ordem.
Abruptamente, o pedal do acelerador é pressionado com força, sem sequer algum contato.
Mais à frente, da guarnição, o porteiro percebe uma anomalia no furgão a caminho. Além de ziguezaguear pela estrada e seus faróis acesos e apagados, era visível o desespero de ambas as figuras nos assentos dianteiros do veículo.
— O que tá acontecendo ali, hein? — Pergunta ao guarda à frente do portão.
— Devem ser novatos. — Suspira o homem. Com um megafone, se pronuncia. — Ei! Reduzam a velocidade e identifiquem-se imediatamente!

— Eu bem que gostaria! Essa coisa tem vida própria! — Grita o motorista, em estado de pânico.
— Ah, me dá esse volante aqui! — O outro homem remove o cinto de segurança e coloca as mãos sobre o volante, mesmo que seu corpo fique atravessado entre os dois assentos e o câmbio.
Não demorou muito para perceber o pior: o volante, na verdade, estava travado. Considerou alertar o parceiro de pisar na embreagem para a troca de marchas, mas o câmbio também estava inoperante.
— QUE PORCARIA É ESSA?!
Abruptamente, o volante se contorce total e rapidamente para a direita. O choque provocado com a velocidade do veículo faz com que seus pneus cantem sobre o asfalto notavelmente áspero.
Com o peso do furgão e a curva perigosamente acentuada, o resultado foi o tombamento violento do veículo. Ainda conseguiu se arrastar por vários metros até chegar ao seu estado de inércia — próximo a um matagal.
Segundos depois do impacto, como o caminhão apenas se deitara, não houve danos graves ao quarteto em seu interior. Apenas formaram uma montanha de pessoas e Pokémon.
— AI. Ai. — Geme Yuuta. — Tá todo mundo bem?
— Ótimo. Melhor, impossível! — Kai, com a voz abafada, acena em positivo com o polegar. — Que bunda é essa em cima de mim?
— Sou eu. — Diz Neil. — Ao menos, você serviu para amortecer a queda. Valeu.
Misdreavus retorna ao grupo, animada e revigorada como de costume.
— ... Se saiu muito bem, Muma. — Anne sorri a ela, apesar de servir como a base da montanha.
— Ok, agora, como saímos dessa lata de sardinha? — Kai pergunta, se contorcendo para se livrar do corpo acima de si.
— Algo suficientemente forte para romper essas paredes, talvez. — Neil inquire, até que, em determinado momento, sente falta de algo extremamente importante. — Espera aí, cadê meus óculos??
Não tardou muito para localizá-los, ou ao menos, o que sobrou deles. Assim que Poliwhirl se recompõe e se levanta, de baixo de seu corpo, revelam-se destroços de suas lentes e sua estabanada armação.
— Que modos são esses, Poliwhirl? — Intervém Kai, um tanto risonho. — Peça desculpas ao Com Panela agora mesmo.
O Pokémon de água se aproxima do rapaz sem seu objeto de adoração e, principalmente, de auxílio, com os cacos do que sobrou, o entrega com um semblante de arrependimento.
Apesar de visivelmente inconformado e desconsertado com o fato, o que bastava para Neil era aceitar. Sem mais, aceita os destroços de seus óculos.
— Tá tudo bem. Quatro graus de miopia não é o fim do mundo.
— Ei! O que aconteceu aí?!
— Estão todos bem?! — Logo, vozes abafadas e diferentes das que, até então, conheciam são proclamadas.
— Ok, temos, no máximo, um minuto para fazermos alguma coisa! —Yuuta se pronuncia, ligeiramente preocupado.
— Já sei! — Kai estrala os dedos. — Poliwhirl, vamos testar seu quebra-telha!
Do move (em inglês)
Poliwhirl assente, se posiciona à parede mais favorável — e amassada — para concentrar seu ataque. Adiante, enrijece sua mão a ponto de adquirir uma certa aura brilhante. Por fim, a martela contra seu alvo.
Em questão inferior a cinco segundos, rachaduras cruzam caminhos aleatórios na superfície metálica. Após, se reduz a cacos e fuligem.
— Eles devem estar vindo para cá. Vamos tentar fugir no modo mais furtivo possível. — Yuuta assume o comando.
Ninguém contestou — para serem sinceros, até aprovaram com breves acenos. Aparentemente, o título de líder servira como uma luva ao rapaz irônico e seu Totodile de comportamento questionável.

ATO 3: (C)AMUFLAGEM
Seguiram pelo trilho de alto gramado disposto atrás do caminhão em início do processo de combustão. Por sorte, a fumaça das chamas em sua parte frontal auxiliava-os a camuflarem-se melhor diante do cenário noturno e chuvoso. Mesmo que não durasse muito tempo, era o necessário.
Engatinhados e sorrateiros, treinadores e Pokémon seguiam como verdadeiros mestres da espionagem pelo gramado que, a favor de ser alto, se remexia pouco ao movimentarem pelo solo.
— As cobaias fugiram! Cerquem e averiguem o perímetro imediatamente!
O cenário era desvantajoso para o quarteto. Primeiro que sequer tinham conhecimento de onde estavam e para onde aquele matagal os levaria. Segundo que era de esperar que um time de soldados os procuraria, considerando a gravidade de terem sido libertados. Terceiro que passos pesados e onomatopeias de gatilhos e pentes de armas eram constantes e evidenciavam a perigosidade da situação.
— Vasculhem a área norte! Vocês três, para o leste! Nós vamos para a costa à oeste!
— Meu deus, Yuuta! Vão nos cercar de qualquer jeito, o que vamos fazer? — Anne, logo atrás do citado, sussurra em tom pavoroso.
— Ainda estou pensando em alguma estratégia. Aceito sugestões, se tiverem. — Responde, na esperança de localizar algo além de folhagens aos seus arredores.
Não tardou muito para visualizarem dois feixes de luz cortando a chuva. De maneira não-uniforme e circular, preenchiam o esverdeado do gramado com um estonteante brilho.
— Acho que usar a Muma nesse contexto tá totalmente fora de questão. — Kai suspira, nitidamente nervoso.
— Dá para a gente seguir em um ziguezague, os faróis estão sempre alternando entre elipses, não vão nos encontrar com eles. — Analisa Neil.
Até certo ponto, o modo furtivo veio a calhar. Conseguiram distanciar dos faróis sem muitas dificuldades — bastando o rápido conhecimento de Campanella sobre o movimento repetitivo em que ambos transitavam.
Entretanto, Totodile, o qual avançava um pouco à frente de Yuuta, acaba topando com a fuça nos pés de um dos soldados no perímetro.
— Hã? O que foi— Assim que mira a lanterna em direção do susto, é surpreendido com um salto do Pokémon até a sua cara. — ARGH! TIRA ISSO DE MIM!!
— Movimentação suspeita no perímetro oeste, próximo à rodovia!
— Vão! Vão!
— Peste, não! Volta! — Ainda nos sussurros, Yuuta tinha quase certeza de que seria inútil trazer uma mula teimosa de volta à porteira.
— Fletchinder, ajude o Totodile enquanto distrai os outros soldados! — Comanda Neil.
Imediatamente, o Pokémon voador sai do ombro de seu companheiro e procura, em voo, os agentes mais próximos para atormentá-los.
Rasando velozmente à mercê da chuva, Fletchinder exigia mais do que simples esforços para manter sua postura. Aproveitou o grupo de três soldados que se aproximava do confronto com Totodile para os bicar intensamente.
— AI! O que diabos é isso?! — Mesmo que tentasse iluminar os ares à procura do incômodo, Fletchinder alternava entre atazanar, um, outro e o último.
Subitamente um dos soldados, o mais estressado com a situação, metralha do solo ao ar em movimento circular, na esperança de atingir o problema.
— Reforços na área oeste! As cobaias estão nas proximidades!
De imediato, os faróis se direcionam à coordenação transmitida pelos soldados. Mesmo entre as folhagens, conseguiram localizar pequenas brechas que evidenciavam os corpos das encomendas.
— Poliwhirl, vamos aproveitar esse clima e use o vento gelado naquela direção! — Kai aponta ao seu companheiro.
Do move (em inglês)
O reforço inimigo se aproximava por trás. Com isso, Poliwhirl salta e, de seu enorme vórtice, dispara uma forte rajada gélida com fagulhas cristalinas.
O ataque é fortalecido em sincronia com a tempestade. O vento produzido, em combinação com a forte torrente d’água, emana um vendaval congelante em direção dos homens.
— Estão nos atacando! Fogo! — Anuncia um deles.
Em contrapartida, não apenas ele, mas como os demais sentem seus pés alocados ao solo, assim como seus membros superiores que sequer conseguiam forçar seus dedos para pressionarem o gatilho.
— ALGUÉM PELO AMOR DE DEUS, ARH!- PARE ESSE CROCODILO MALDITO!! — Grita o primeiro soldado a ser atacado.
Totodile não media gentilezas para arranhar e morder o sujeito à moda que bem entendia — perfeitamente, por sinal. Yuuta chegou a um ponto de apenas aceitar o fato e averiguar o perímetro à procura de mais perigos.
— Anne, agora é hora de aproveitar a situação e deixar a Misdreavus se divertir também! — Diz Kai, com um sorriso serelepe.
— A-Ah, a gente nunca esteve em um confronto antes. Eu não sei se- A menina é interrompida.
— Franco-atiradores, em posição! Prioridade: pontos não vitais!
Enquanto isso, Fletchinder levava os humanos à exaustão e loucura de tamanho inferno que provocava. Vez ou outra perdia alguma pena quando o agarravam, mas por ser extremamente veloz e pequeno, se esgueirava com facilidade.
Mais atrás, Yuuta continua o caminho, enquanto observava alguns soldados caíam endurecidos ao efeito de nevasca e outros corriam de seu Totodile em chamas — figurativamente.
Atrás de si, Anne o seguia. Visivelmente era a que preferia evitar o confronto direto e se sentir segura ao lado de alguém — não que pudesse depositar toda sua confiança naquele rapaz, mas até o presente momento era o mais ideal.
— Ei. Espera. — Yuuta imediatamente para, farejando algo além de perigoso.
Não tardou muito para visualizar, ao longe, um curto e pequeno brilho emitido como um tique de luz. O ambiente não proporcionava a melhor visão e alcance, entretanto, tinha noção de que aquilo representava o que farejara há pouco.
— Abaixem-se!! — Mesmo que revelasse sua posição, embora àquela altura do campeonato já era irrelevante, Yuuta grita para os demais.
Aos que estavam infiltrados no solo, procuraram se esconderem melhor. Aos Pokémon, Totodile saiu em disparada ao matagal. Poliwhirl desfez a continuidade de seu movimento e, também, se camuflou. Os dois disparos do rifle são executados ao ponto de leves estrondos repercutirem na área.
Reduzindo a corrente temporal em um ritmo absurdamente crítico, os projéteis do rifle são disparados em transversal diagonal à posição da chuva.
As rotas traçadas de seu alvo só podiam ser confirmadas quando um relâmpago foi anunciado ao horizonte, seguido de um trovão estrondoso. Fletchinder, ao movimentar de suas asas, percebe que qualquer rota de fuga seria incapaz de salvar sua pele.
Retomando o fluxo normal-temporal, por alguma razão, Fletchinder não fora brutalmente baleado. Os projéteis são freados bruscamente, à força, até se apresentarem trêmulos e remotamente controlados ao peito do Pokémon.
A diferença notada no colar de esferas vermelhas, bem como aos olhos, de Misdreavus denunciavam o uso de suas capacidades psíquicas.
— Mas não é possível que ninguém consiga parar essas quatro crianças! Convocando reforços aéreos!
— Baixas no setor noroeste, senhor! Três homens com hipotermia!
Os quatro aventureiros aproveitam a deixa e seguem adiante pelo matagal, rumo à rodovia um pouco distante.
Para finalizar o movimento e esgotar sua energia, Misdreavus consegue fazer com que a velocidade dos projéteis se nulifiquem totalmente. Com isso, os arremessa de volta às origens, só que, acertando precisamente os dois faróis.
— Localização das vítimas perdida! Continuem vasculhando!
A cavalaria inimiga tarda, mas não falha. O helicóptero mencionado surge no recinto. Com outro farol em constante movimento acima de suas cabeças, dificilmente se livrariam da aeronave com tanta facilidade.
— Cobaias avistadas! Permissão para imobilizar, senhor?
— Fogo!
Desta vez, Misdreavus ou qualquer outro Pokémon seriam incapazes de mobilizar o armamento inimigo. A comporta do helicóptero se abre lentamente, revelando um armamento muito semelhante à tecnologia laser. Um tipo de imobilização que soava bem mais dolorida na concepção dos demais.
Se levantassem e corressem, seriam provavelmente capturados ou, no pior do cenários, baleados pelos soldados ou franco-atiradores. Caso optassem por se renderem, entregariam de bandeja todo o andamento e sucesso que tiveram do plano até o momento.
Antes mesmo que pudessem optar por agradecerem ou orarem, uma forte explosão toma conta do ambiente. Em cerca de segundos, o helicóptero é consumido pelas chamas e seu controle é totalmente desestabilizado.
Os gritos de um ou outro agente são abafados por outro disparo de um lança-granadas. Este, por sua vez, acerta a muralha acoberta dos franco-atiradores.
— Mas o que está acontecendo?! — Indaga Anne, aos prantos com uma voz chorosa.
— E eu sei lá?! Ao menos parece estar nos ajudando! — Exclama Kai, se cobrindo com auxílio das folhagens.
Um terceiro disparo é executado. Enquanto isso, a tropa de soldados corria desesperadamente, acima de tudo, por suas vidas. Uma das bases logo à passagem do portão é explodida.
Por fim, o helicóptero se choca sob o telhado de outra construção, provocando outra explosão com direito a espatifar incontáveis fagulhas.
Depois de breves instantes, apenas o som da chuva consumia o ambiente. Nem sombra de mais homens e, muito menos, perigo.
— Seria esse um sinal divino enviado para nos salvar? — Pergunta Kai.
— Parece que tá tudo limpo. — Diz Yuuta, levantando-se vagarosamente a fim de averiguar o estado do local. — Deve ter sido algum pedido que (Kai)u do céu mesmo!
— Mediana, amigo. Se esforce mais! — O havaiano sorri.
Enquanto todos se levantavam, checavam o status de seus Pokémon ou se questionavam do que fazer em seguida, Yuuta se desvencilha um pouco dos demais.
O rapaz de cabelos castanhos caminha lenta e pensativamente em direção do furgão o qual escaparam. Não havia mais chamas, sequer indícios de que explodiria.
— Ei, Yuuta! — Anne o chama. — Onde vai?
— Não se preocupem comigo. — Responde, sem deixar de andar. — Quero apenas checar uma coisa.
No furgão tombado, Yuuta não encontra muitas dificuldades para subir na porta ainda operante. Tinha algo que o incomodava muito e, de uma maneira que não sabia explicar, sabia que aqueles dois indivíduos estariam envolvidos nisso.
Ao menos, algum detalhe que obtivesse uma pista daquilo que engolia tanta incerteza viria a calhar.
— Que merda. — Observa a bagunça misturada a fuligem e água que acumularam nos interiores do veículo.
Entretanto, algo o chamou a atenção.
— Yuuta? — Ademais, Anne se aproxima do caminhão. — Tá tudo bem aí?
— Hã? Ah, sim. — Vendo que se tratava da menina, o rapaz tranquiliza-se. — Eu só- só quero confirmar uma coisa aqui.

ATO 4: LEMBRANÇAS (D)OLOROSAS
Em um monitor trincado, observa uma imagem que bem reconhecia. Se tratava de quatro fotos em mosaico. Eram eles mesmos. Não conseguia ler os dados contidos ao lado da imagem pela distância e as circunstâncias atuais do eletrônico que, ora piscava, ora transmitia sinais de intermitência.
Especificamente em sua imagem, o garoto visualizou atentamente uma garota sorridente ao seu lado.
Logo, sua mente parece explodir com os mais recentes flashbacks. O garoto se curva de dor perante ao desconhecido que sofria.
— Yuuta! — Anne, percebendo o estado do rapaz, se apressa em subir ao veículo.
“Ah, mas olha esse casal aqui! Parecem ser irmãos. Por que os dois não foram capturados?”
“Yuuta e, meu deus, Ayane, é isso? Que tipo de nome é Ayane?!”
“Ela não é aquela que o setor D-03 em Unova capturou e forjou a morte há tanto tempo para... para que era mesmo?”
— Yuuta! Você tá bem?! — Anne consegue o agarrar e perceber que o menino se encontrava imobilizado e com o olhar paralisado.
Ayane. Tal nome não trazia exatamente o que Yuuta gostaria de sentir ou, claro, puxar à memória. Entretanto, após visualizar aquela garota de cabelos castanho-escuros com um cachecol, apenas conseguiu lacrimejar diante de Anne.
— Por que você tá chorando? — Indaga a menina, confusa.
Antes de se pronunciar, o rapaz consegue fixar o olhar choroso em Anne. Subitamente, outro ataque doloroso invade sua cabeça, o fazendo agonizar com suas mãos cravadas nela.
“Eu estarei com você lá para me certificar — a menina olha no fundo dos olhos castanhos do rapaz —, iremos desvendar esse mundo todo juntos, certo?”
“Claro, que pergunta boba, planejamos isso desde os dez anos!”
Dois anos se passaram
E eu ainda não sei quem você é
É assustador pensar que eu posso nunca me lembrar
— Yuuta? Yuuta! — Anne o sacode de maneira leve. — Ei, Kai, Neil! Venham aqui!
“... seja aonde você estiver, que Arceus a proteja, Ayane!”
Ayane
.
.
.
Ayane?
— Ayane. — Yuuta diz somente isso, em não muito claro e bom som.
— Hein? — Anne pergunta.
— Ela tá viva. — Diz Yuuta, aos poucos, retornando para si. Abre um sorriso gratificante no rosto para Anne. — Ela tá viva!
— Quem está viva? Tem certeza de que tá bem? — O encara, incrédula.
— Ela tá viva, Anne! Ela tá viva! — Passa a procurar qualquer outra informação relevante na bagunça do painel.
— O que aconteceu? Ele bateu a cabeça e se esqueceu de tudo o que aconteceu? — Indaga Kai, o qual não podia visualizar muito bem o que acontecia ao lado de dentro do veículo
— O nome disso é amnésia. — Neil afirma e, em seguida, usufrui de seu velho costume em vão ao ajeitar seus óculos inexistentes em seu rosto. — ...
— Ei, vocês aí!
Os dois ao lado de fora, ao ouvirem o chamado, entram em estado de alerta. Apesar de que seria inútil se esconderem se já foram avistados, um fator intrigante fez com que apenas visualizassem na direção das vozes.
— Tudo bem com vocês, garotos?! — Outra voz, feminina, mira a lanterna fixamente em ambos.

ATO 5: (E)STAMOS SALVOS?
— Então, deixa eu ver se entendi bem — Diz, um homem ao volante. — Vocês foram sequestrados, mas sequer se lembram como isso aconteceu?
— A princípio, é bem difícil de acreditar mesmo. — Diz Yuuta, dando de ombros.
— É cada coisa que a gente tem que ver para crer. — Suspira, reduzindo a velocidade para uma próxima curva. — Se bem que vocês não são os únicos que eu encontro essa noite. Esses dois perdidos mesmo, os encontrei na saída da cidade dos guarda-chuvas. Ao menos, estamos seguros por aqui.
— Tá explicado de onde vieram todas aquelas explosões! — Diz Kai, observando um rapaz barbudo portando uma bazuca de quatro projéteis.
— Aliás, por que resolveram ajudar a gente? — Pergunta Anne, um tanto receosa.
— Acima de tudo, quem são vocês? — Neil quase a atropela com a seguinte pergunta.
A princípio, tinham razões para desconfiar de três sujeitos estranhos e visivelmente aleatórios para o contexto em que se encontravam — apesar de, aparentemente, terem salvado suas vidas.
O motorista, por sua vez, aparentava carregar seus trinta anos de desilusões e fracassos em seu rosto cansado, de aparência abatida, óculos de lentes grossas e barba falha. Além disso, trajava um sobretudo preto em conjunto com um chapéu da mesma tonalidade.
O casal nos assentos entre laterais provavelmente participou de alguma guerrilha ou algo pior. A começar pelo aparato explosivo e mortal que carregavam, além de suas roupas marcadas e ensanguentadas. Ironicamente, não esbanjavam de semblantes condizentes com suas aparências.
— Acho que nos esquecemos das apresentações. — Diz, não muito convencido de que se lembraria do ocorrido. — Bom, eu me chamo Pether. Pether Morgenstern. Diretor dos Estúdios Mah Boi e caçador de aleatoriedades nas horas vagas.
— Ah, eu acompanhava suas produções! — Exclama Anne. — Pena que sempre eram canceladas.
— É. — Deixa escorrer uma lágrima das mais puras frustração e realização por tais palavras. — O casal aí, que encontrei na cidade dos guarda-chuvas, é— É interrompido.
— É Raccoon City! — Intervém a moça, visivelmente irritada com o enésimo comentário a respeito.
— Essa moça linda e esquentada é a Jill, garotos. — O rapaz cabeludo inquire com uma recepção generosa. — Jill Valentine.
— Giulia Valentina. — Corrige Pether.
— ... Eu juro que você estaria morto se não fosse tão benevolente em nos oferecer uma carona. — Responde Jill, cerrando os punhos à medida que se desprende de seu estresse.
— E eu me chamo Carlos Oliveira. Mas como ele mesmo vai dizer: Carlinhos. — O rapaz se apresenta. — Estávamos ouvindo alguns barulhos de tiros e localizamos vocês em perigo. Então, resolvemos dar uma ajudinha.
— E que consagrada ajudinha, não? — Enfatiza Anne.
— A parte explosiva foi ideia do Carlos. — Responde a moça.
— E para onde estão indo? — Pergunta Yuuta.
— A ideia é largar vocês no posto policial mais próximo. Esses dois vão saber o que fazer com vocês. Ouvi dizer que ela é policial. — Comenta o motorista.
Ninguém discordou, muito menos comentou mais algo, ainda que o pensamento de um ou outro remetesse mais que gostaria de fazer uma parada em uma conveniência ou posto de combustível para encontrar algo de comer.
A viagem seguiu silenciosa por pesarosos minutos, dando alas apenas para o tintilar da chuva sobre o teto do veículo de gravações cedido especialmente pelos Estúdios Mah Boi.
— Aliás, é verdade que vocês são treinadores de Pokémon? — Pergunta Carlos, ligeiramente interessado nas Pokébolas a amostra sob a proteção de um ou outro integrante.
— Esse era meu principal objetivo antes de acontecerem algumas coisas no caminho. — Diz Yuuta, ainda tropeçando na questão do que vira no furgão anterior.
— Treinadora não é bem a palavra certa para mim. — Em seguida, Anne, com um sorriso forçado.
— O mesmo para mim. — Inquire Neil, sem brechas para descontração ou alívio cômico.
— Só nas horas vagas, eu diria. — Diz Kai, com um semblante divertido.
— Eu sempre quis ser um treinador Pokémon quando era criança. — Continua Oliveira. — Mas, minha mãe sempre me dizia “Não! Você tem que se dedicar a ser um mercenário e entrar em uma organização contra riscos biológicos!”.
Além do quarteto o admirar com um ar estranho e nem um pouco conformado, até mesmo o motorista dedica alguns segundos de sua vida para o estranhar com seu olhar.
— Bem, eu não posso julgar vocês dois. A mocinha aí parece ser alguma estrela musical muito famosa que rejeita o autógrafo de um maníaco que sai a todo momento atrás dela gritando “STARS!”. — Diz Pether, dando de ombros.
A referida apenas estapeia sua própria face, crendo de que poderia acordar de mais um de seus recorrentes pesadelos.
Não tardou muito para roncos denunciarem o estado de fome de alguns dos presentes.
— Ok, talvez tenhamos uma mudança de planos nessa viagem. — Pether se pronuncia.

ATO 6: (F)INALMENTE PAZ
No ápice da madrugada, conseguiram localizar um posto de conveniência aberto 24 horas em meio à rodovia. A alta competência automobilística de Pether trouxe um estacionamento cruzado na saída de veículos do local, nada que fosse um problema para aquele lugar deserto.
— Bom, eu vou ver o que servem por aqui. Querem acompanhar ou esperam aqui fora? — Pergunta o homem de sobretudo.
— Eu preciso muito ir ao banheiro! Aquele hospital nojento só me deu mais motivos para segurar a bexiga por mais algumas horas! — Diz Carlos, se contorcendo de maneira que houvesse insetos perambulando por seu corpo.
— Eu vou ficar por aqui mesmo. — Diz Kai. — Esse som das ondas me traz muita paz. Gostaria de apreciar um pouco.
De resto, o quarteto permanecera ao exterior. O havaiano tinha o propósito de atravessar a rodovia a fim de apreciar a maresia, mesmo que por um curto intervalo de tempo. Neil, por um trecho, seguiu a mesma rota e a desviou para um gramado completamente aberto.
À frente do posto, restaram Yuuta e Anne. Por um breve momento, os dois observavam o andar descompassado e destrambelhado do — mencionado por Pether — Carlinhos até o banheiro. Conquistou breves risos dos dois.
— É, foi um achado e tanto encontrarmos eles, não é? — Anne suspira, contemplada com a passageira amizade realizada.
— Nem me fala. — Yuuta apoia os braços atrás da nuca e se espreguiça. — Eu tô morto.
— Você foi muito corajoso em liderar a gente com suas ideias. — Diz a menina, com um semblante agradecido.
— Que nada. — Sorri. — Todo mundo fez sua parte. O Neil é bem estratégico, o Kai e seu Poliwhirl têm um elo muito forte, e sua Misdreavus salvou a noite com seu poder.
— É uma pena eu não saber como usá-lo. — Murmura, evidenciando ainda mais o seu lado sequer explorado de treinadora de Pokémon.
— Vocês parecem confiar muito uma na outra.
— Sim, mais do que qualquer outra coisa nesse mundo. — Sorri pelo fato de se recordar da própria referenciada.
— Então, basta usarem essa confiança em um campo de batalha. Não tem erro. — Dá uma piscadela.
Enquanto o diálogo fluía intensamente acolá, Neil preferira ser contemplado com a beleza magnânima e esplendorosa que o emaranhado de brilhantes estrelas lhe proporcionava. Ainda que algumas nuvens da recente tempestade obstruíssem sua vivacidade, o céu compensara todo instante que o admirava.
Cogitara colocar a mão no bolso em busca de algo, mas por retroceder compreendeu que não estava mais consigo.
— Acho que não preciso anotar isso. Não esqueceria esse dia por nada, creio eu.
— Eu sempre desconfiei de que nerds falam sozinhos. Você conseguiu me comprovar isso. — Surge a voz de Kai entre risos.
— Ah, é. — Concorda, simples e ligeiramente introvertido.
— Ei, foi mal pelos seus óculos. De verdade. — Sua face contorna veracidade pelo que dizia, ainda mais pelo que o outro conseguiu analisar. — Espero poder te compensar algum dia por isso.
— Tudo bem. Não eram meus favoritos. — Sorri de leve.
— Estamos numa boa, então? — Gesticula a mão aberta ao companheiro.
Amizades aparentemente nunca foram o elo mais notável no rapaz de jaleco. Embora receoso em corresponder o gesto, observou o sorriso generoso e a expressão determinada que o moreno carregava consigo. Sem mais, a apertou com um bocado de força.
— Com certeza.

— Acho que formamos um bom quarteto, sabe. — Anne concede alguns passos à frente e inspira o ar serenamente.
— Sou obrigado a concordar. — Yuuta ri, apesar dos pesares e sufocos, se empenharam como podiam para se manterem unidos e, em sua concepção, funcionou muito bem.
— Achei que aqueles dois não se entenderiam. — Refere-se, com o olhar, à outra dupla bem mais à frente.
— Ah, não acho que teriam motivos para isso. Podem ter suas diferenças, mas ambos não queriam o pior do outro.
— Sim, sim.
A plenitude reinou mais uma vez. Poderiam estar contemplando o cenário, ou apenas privavam suas palavras devido ao inegável cansaço ou a subestimada fome. Entretanto, a garota aparentava estar ligeiramente perturbada com alguma coisa.
— Posso te perguntar uma coisa? — Manifesta-se em um tom pesaroso de dúvida.
Apesar de estranhar o pedido, o rapaz concede a permissão com um gesto que remeta “vá em frente”.
— Sobre aquela garota. Você mencionou que ela está viva. — Faz uma breve pausa, possivelmente para remediar suas palavras. — O que isso quer dizer? Caso se sinta confortável em falar.
— Eu — Une suas mãos e tamborila seus dedos entre si lentamente até os apertar. — Eu gostaria de saber mais. Mas sei que ela está viva e que, de alguma forma, eu me sentia estranho por não saber.
— Hã, ela era sua, digamos, amiga? — Indaga, na tentativa de ser sutil. Ela mesma não comprou a possibilidade após perguntar.
— Sinto que fez parte da minha vida de uma maneira que também não consigo explicar. — Suspira. — Antes mesmo de escaparmos do furgão e de vocês acordarem, consegui ouvir aqueles dois sujeitos falando sobre esse assunto. Disseram que sua morte foi forjada.
— Mas como eles sabiam disso? — Segue seu questionário, desta vez com dúvida e ingenuidade.
— Eu gostaria muito de saber! — Eleva a voz em alguns oitavos. — Quando voltar, quero descobrir o que aconteceu nem que seja uma questão de vida ou morte.
— Espero muito que descubra algo. Não deve ser nada fácil para você.
— Eu já estive pior. — Diz, apoiando o peso de seu corpo à parede. — Quando um lapso de memória atravessou minha cabeça, eu pude finalmente sentir a dor que estava presa por sabe-se lá quanto tempo. Eu tenho certeza de que ela está viva.
— Ah, foi por isso que você estava checando tudo naquele caminhão. — Conclui, óbvia. — Tem alguma ideia de onde ela pode estar?
— Só mencionaram algo como “Setor D-03”. Fica em Unova, aparentemente.
— Tomara que estejam certos. Ou melhor, tomara que ela esteja bem. — Sorri. — Você pode recorrer à polícia, né? Já nos deparamos com uma policial de carona hoje. Deve ser o destino mesmo.
— Estou passando a acreditar que sim. — Ri de leve.
Embora conseguisse descontrair o clima com Anne, o garoto de cabelos castanhos não parava de martelar um emaranhado de questões em sua cabeça. Seu semblante preocupado denunciava tal atitude. Contudo, diante do que enfrentou e o diálogo com sua recente amiga afrouxaram um pouco sua tensão.
— Obrigado, Anne. De verdade. — Sorri.
— Eu que devo agradecer por confiar a mim em contar algo tão delicado. — Devolve o sorriso, este um tanto envergonhado.
— Ah, imagina, eu — Antes que continuasse a prosa, ouve as vozes vindas do interior da loja. — Parece que fizeram uma festa mesmo.
— Realmente! — A ruiva se impressiona com a quantidade de sacolas que carregavam.
— Aí, eu falei pra ela — Pether abre a porta e concede espaço para os demais atravessarem-na. — Que o exílio planetário era plausível de acordo com a lei 8059/2014! — Se desmancha aos risos.
— Pô, eu queria muito ter visto a cara dela! — Em seguida, ri Carlos.
— Sério que vocês tão rindo disso? — Jill arqueia uma das sobrancelhas, nem um pouco convencida do quesito humor dos dois sujeitos.
— Ahn, — Pether pigarreia, sem graça. — Ah, olha as crianças aí. — Refere-se aos dois presentes. — Cadê o com cara de uga-uga e o com cara de protagonista sofredor de anime dramático?

ATO 7: (G)OODBYE MAY SEEM FOREVER
— Rapaz, comi feito um ka lio. — Diz Kai, notavelmente satisfeito com um volume considerável em sua barriga.
Do havaiano: cavalo
— Um o quê? — Indaga Pether, piscando os olhos algumas vezes para absorver o que tinha ouvido.
— Nem tenta entender, eu já tentei por você. — Diz Yuuta, rindo após.
— Ainda bem que não somos o motorista. Deve ser triste ter que dirigir sem um tempinho para a digestão. — Ironiza Carlos.
— Seria pior se acontecesse de alguém ser o único largado aqui. — Pether devolve a dosagem de ironia ao remetente.
Aos embalos de uma conversa animada e risos despojados, o grupo segue até o veículo convenientemente estacionado à saída do local.
— Agora eu posso dizer que veio a calhar estacioná-lo aqui. — Diz Neil, no perdão da palavra.
— Bom, nesse caso, todos a bordo! — Exclama Pether.
— Espera! — Anne se manifesta, o que chama a atenção de todos.
Um pouco atrasada em relação aos demais, a menina mira seu olhar fixamente de volta à loja, não especificamente em seu interior.
— O que foi, menina? Viu algum zumbi? — Pergunta Jill. — Não, pera.
— E eu pensando que as minhas piadas que eram ruins. — O dono do veículo revira os olhos.
— Ali! — A menina aponta. — Uma cabine fotográfica!
— Tá, mas e daí? — Pergunta Kai.
— Podíamos tirar uma foto! — Sorri. — De recordação!
— Não sei se é uma boa ideia. — Diz Neil, reconfortando o fato de apresentar não ser fotogênico.
— Ah, vamos! — Insiste a menina. — Não seria bom guardarmos esse momento de recordação?
— Acho que ela tem razão. — Diz Yuuta. — Ninguém sabe se nos encontraremos num futuro distante. Quem sabe, eu espero.
— ... Espero que a revelação não custe os olhos da cara. Esses malditos turistas. — Suspira Pether.

ATO 9: (H)OJE E AMANHÃ
PENSAREI EM VOCÊ
A campainha soara, no mínimo, por 10 longos e irritantes segundos. Como se não bastasse isso, o processo se repetiu várias vezes. Até que, lentamente, a audição do sujeito dormente traz o despertar de sua consciência.
— Hm, o que — Mais uma vez, a ressonância irritante do “dling-dlong” da campainha o perturba. — Já vai, já vai. Inferno.
Mesmo que tivesse murmurado apenas a si mesmo, com ligeira dificuldade para abrir os olhos e acostumar a visão ao recinto já iluminado pelo dia, Yuuta apoia uma mão sobre o criado-mudo ao lado da cama após se sentar.
Além da bagunça chamativa sobre o móvel, o calendário acusava a data 25 de maio, taxada com um círculo e denotada por “meu aniversário”, como a próxima a ser riscada.
Ao sair do quarto, a melodia se ressoa mais uma vez, o levando ao estresse rotineiro tão logo.
— Será possível que nem no meu aniversário eu tenho sossego? — Indaga enquanto alonga seus braços. — Já tô indo!
Infelizmente, ao olho mágico, não havia mais ninguém, o que só contribuiu para o rapaz difamar algum palavrão inaudível. Antes de retornar ao esperançoso sono dos justos, um envelope é enfiado sob a porta.
— Hein?
Não havia remetente, muito menos destinatário. Apenas uma mensagem sobre o lacre da S. T. A. R. S. contendo um texto garranchoso “Abra!”. Apesar de estranhar o peculiar convite, o fez.
— Mas — Ao revelar o conteúdo, ostenta de um riso bobo. — Como que — Larga o envelope ao chão, permanecendo apenas a foto em mãos.
Foto essa que o garantiu um semblante totalmente contrário ao desagradável e emburrado com que se levantara. Na verdade, sorriu feito uma criança perante a uma brincadeira.
Nunca imaginou que fosse rever-se em uma foto desse naipe. Ainda mais reunido com Anne, Kai e Neil, além dos estranhos Pether, Jill e Carlos, suas expressões captadas naquele pequeno foco retangular denotavam felicidade e contemplo — ao menos, a da maioria que não teve de arcar com o custo das revelações e cópias.
— Esses malucos — Ri consigo mesmo.
Procurou por algum recado no verso, do tipo “você me deve tal quantia”, mas, ao invés disso, se deparou com apenas “Abra a porta!”.
Poderia esperar uma enxurrada de ovos caso tivessem descoberto a data de seu aniversário — uma vez que tal envelope fora coincidentemente entregue na própria. Tinha muitas questões de como descobriram tantas informações a respeito dele, até se recordar de que havia dois sujeitos da polícia e um fracassado, porém um dia renomado, diretor de estúdio.
Sendo assim, abriu a porta.
— Yuuta.
Não viu os ovos, não viu o carrilhão de “feliz aniversário”, muito menos algo que tenha imaginado nesse curto intervalo de tempo.
É fato que não viu nada disso, mas, além de que suas palavras não conseguiram se transmitir, viu um icônico sorriso e um cachecol.
— Feliz aniversário, idiota!
Um cachecol vermelho.
.
•
*
TO BE CONTINUED
Publicação original em 21/07/2020

Comentários
Postar um comentário