Capítulo I | Crônicas


AVISO

Para mais detalhes do que se trata este e futuros capítulos, direcione-se à seção Crônicas, aqui, no topo ou no rodapé desta página.

O PAPO FOI DADO












— Tá vendo, Pikachu? — O falante ostentou de uma generosa parcela de animação. — Mais um pouco e estará pronto para o nosso primeiro lançamento oficial!





Em suas mãos — abarrotadas de retalhos de papel, cola e tiras do gramado —, tentava manusear, com o máximo de cuidado possível em contraste com a sua afobação infantil, o que poderia considerar — com muito gosto, de acordo com o seu projeto — um protótipo de aeronave. Um pouco torta, talvez. Sem a aerodinâmica de um foguete para a suposta decolagem, visto que havia apenas uma base de madeira abaixo que, aos olhos do Pokémon acompanhante logo ao seu lado, não parecia muito estável — quem dirá segura.





— Pika? — A pequenina criatura amarelada cafungou a tranqueira construída por ambos, duas ou três vezes, o que não emitiu muita confiança em seu semblante. — ... Pika-chu.





— Ér, bem — O menino coçou a ponta do nariz. Pôde ter se arrependido, ainda mais com o indicador gosmento de cola. — Na verdade, ainda precisa de combustível, claro. Onde foi que eu — Se levantou, na esperança de ter marcado a sua poupança em uma caixa de fósforos que, em sua concepção, jurava que estava em sua posse. — Ué? Cadê?









Apesar do aspecto ligeiramente desastrado — o que lhe distanciava de qualquer carreira astronômica — os olhos castanho-escuros inspiravam determinada confiança e força de vontade, além de uma estrondosa animação. Nem mesmo o Sol a pino em seus volumosos e espatifados cabelos negros o impedia de perseverar em sua construção tão simbólica quanto representativa. Por outro lado, favorável, não sairia mais bronzeado do que o tom de pele um bocado queimado por tantas tardes à mercê dos raios solares.





— Eu podia jurar que tinha pegado uma caixa de fósforos com a mamãe. — Sacudiu alguns bolsos da calça à procura de respostas para os seus devaneios, sem sucesso.





Determinado e competente, em alguns quesitos, sim. No entanto, ainda era um garoto de catorze anos e a tremenda lambança que almejava no quintal de sua casa não era bem o tipo de coisa que seria vista com os olhos da conquista e do triunfo por sua figura materna. Na verdade, era bem capaz que seria enviado para o banheiro após a ordem de limpar a bagunça, a menos que fizesse bonito para impressioná-la.





Remexeu alguns tubos de cola, além de uma montanha de papéis — desde sulfite até EVA — e certificou até mesmo de erguer o corpo de seu parceiro, Pikachu, para se certificar de que não estava delirando de uma vez por todas. O último lugar no qual não havia procurado, o que rendeu um sorriso esperançoso à face do pirralho, foi o seu boné revirado ao gramado, um pouco mais a frente.





Não menosprezava o entalhe artístico de uma Pokébola em seu acabamento, tanto que o admirou por uma fração de segundo antes de revelar a famigerada caixa de fósforos escondida entre as folhagens do jardim. O retornou à sua cabeça e se assegurou de que havia mais de uma leva de combustível dentro daquela minúscula fonte de fogo para futuros testes.





— Bingo! — Acenou com o polegar ao seu Pokémon.





Enquanto isso, o pequeno roedor curioso ainda fuçava em torno da base reservada ao — projeto de — foguete. De certo, tinha dúvidas de como aquela coisa funcionaria, se é que havia alguma possibilidade disso. Claro que a convicção contagiante de seu amigo o incentivava a conceder um voto de credibilidade, por mais controversa que fosse.





Antes mesmo do garoto riscar o valiosíssimo palito de fósforo contra a superfície da caixa, foi interrompido por um estrondo que bem reconhecia. A porta dos fundos tinha sido quase escancarada à presença da sua mãe.





— Ash Ketchum! — O tom repreensível se fez tão previsível quanto exaltado em alguns oitavos pela senhora. O que ele sabia, também, era o fato de que estava ocupada com alguma coisa na cozinha (a julgar pelo avental umedecido e as mãos ensaboadas) e teve que parar o seu serviço por conta de algo tão trivial que, em sua opinião, era de extrema importância na verdade. — O que pensa que vai fazer com essa caixa de fósforos, mocinho?





— Ér, oi, mãe! — Sorriu, travesso e com direito a um aceno apreensivo pela culpa. Em seu progresso, não havia relatado o empréstimo de energia para a supervisão responsável. Em outras palavras, a mulher devia ter sentido falta da caixinha.





— Ou melhor, o que vocês dois estão tramando? — O olhar repreensivo seguiu de encontro a Pikachu, o qual nem pestanejou em abaixar as orelhas em sinal de acuação.





— Ah, a gente só estava tentando montar uma réplica de um foguete! — Exclamou, tipicamente animado. — Sabe aquele que eu vi na revista Pokénautas? A edição dezessete?





— Acho que é impossível esquecer. Você só falou disso por uma semana inteirinha. — Acabou cedendo a um breve riso de lábios fechados.





A senhora Ketchum não media esforços quando o assunto era compartilhar alguns dos melhores momentos — por mais simplórios ou inúteis que podiam aparentar — do seu filho, o que também não a impedia de revogar a ideia de um possível incêndio em cadeia proporcionado por uma brincadeira sem sentido no jardim que custava a zelá-lo e preservá-lo. Se estivesse em uma área distante e, de preferência, pavimentada, ainda poderia ceder o crédito do famigerado lançamento.





— De qualquer forma — Gesticulou os dedos para que devolvesse os fósforos. — Digamos que sua missão acaba de ser adiada por um, hm, imprevisto de rotina.





Apesar do semblante descontente por frações de segundo, o jovem Ketchum suspirou em concórdia. Se levantou, seu Pikachu fez o mesmo, e seguiram em direção à — diga-se de passagem — comandante da operação.





— Ah, antes que eu me esqueça — Esbanjou de uma feição positiva. — Um recado para você, meu filho. O Professor Carvalho telefonou agora há pouco e pediu para que você passe no laboratório dele depois.





— O Professor? Sério?! — Arregalou os olhos, tão brilhantes quanto pasmos. Não tardou muito para esboçar um largo sorriso no rosto.





— Sim. Sim. — Sorriu, assim que ajeitou melhor o boné do garoto em sua cabeça. — Eu não faço ideia do que pode ser — De fato, ludibriar ou disfarçar uma surpresa não era o seu ponto forte, ainda mais quando era óbvia. — Mas parece ser algo muito bom, já que ele não pôde falar por telefone.





— Uau! Ouviu isso, Pikachu? — De imediato, lançou o encarar eufórico ao seu companheiro. — O Professor quer ver a gente! Sabe o que isso significa, né?!





— Pika-chu! — Não era nenhum mistério para o pequenino Pokémon amarelo que a ansiedade de seu amigo se resumia a um só fator nos últimos tempos. Com isso em mente, impossível seria não corresponder a sua animação.






https://www.youtube.com/watch?v=6j4t0nPT3og




— Pois não vamos deixar ele esperando! — Recolheu Pikachu em seu colo, além do seu protótipo de foguete. Desconsiderou todo o restante da bagunça que não passaria despercebida aos olhos da mãe.





— Mas- ei! O senhor nem almoçou ainda e- vai sair desse jeito?! — Pelo visto, gritar em alto e bom som, mesmo com tantas contraposições, não a ajudaria em deter os sonhos de seu filho.





— Não se preocupe, mãe! — Em meio à sua corrida até a cerca, virou-se para trás e acenou com uma piscadela para a mulher. — Eu aproveito a oportunidade e chamo o Professor para almoçar com a gente, tá legal?





Sem contestações, a senhora Ketchum apenas contentou com a visão de seu garotinho abandonando a porteira de madeira de seu perímetro, exclamando um monte ao lado de seu Pokémon que aparentava se sentir bem reconfortado nos embalos de seus braços. Em seguida, dirigiu o olhar às tranqueiras deixadas sobre o gramado e, no perdão da palavra, se o Professor Carvalho tinha uma excelente notícia para seu filho, tinha total ciência de que este inevitável dia chegaria. Suspirou, conformada.





— Poderia ao menos ter calçado seus tênis. — Ao longe, pôde avistar a figura descendo uma rua íngreme com um par de chinelos em posse. — Esse menino. — Por fim, gesticulou um sorriso terno.













O ambiente de cores claras denunciava a serenidade imposta em cada detalhe organizado de uma maneira convidada a um modesto tom feminino. As prateleiras decoradas com dezenas de livros — a maioria, por sua vez, denotava alguns contos românticos modernos — e um mural enfeitado de broches e muitas fotografias que enfatizavam o desejo por conhecer o mundo em torno de novas culturas — o que não se confirmava o mesmo com Pokémon, visto que raramente se faziam presentes nos quadros. O rosa-bebê o lilás não se limitavam apenas aos papéis de parede do quarto, bem como também ocupavam uma colcha rendada sobre a cama com uma cabeceira no estilo clássico-moderna, nela, dependuravam-se uma bolsinha, além de um lenço vermelho.





Quase que enfiada dentro de um enorme roupeiro, uma mocinha tentava conciliar a tarefa de retirar, de uma só vez, uns cinco ou seis cabides com alguns conjuntos importantes enquanto, simultaneamente, tagarelava com alguém ao celular. Pelo aspecto um tanto desajeitado — ainda mais temendo por derrubar uma montanha de roupas sob qualquer movimento em falso — e pelo semblante que contornava desconforto em uma pausa ou outra para conciliar duas tarefas ao mesmo tempo — considerando muito bem que poderia optar por uma de cada vez ou agir de modo menos impulsivo.





— Claro, né, amiga? — Riu de leve, assim que debruçou todos os cabides sobre o colchoado. A queda sobre a maciez da manta suavizou as vestimentas de serem abarrotadas, suspirou em um tremendo alívio. — Acho que já estava mais do que na hora disso acontecer.





Enfim, abraçou o que tanto desejava. Um casaqueto longo, vermelho, lantejoulado para que fizesse jus ao seu estilo que não se decidia entre o vintage ao glam, mas não fazia mal. Era uma de suas peças preferidas e, além do mais, podia considerar que havia um embate poderoso entre as suas duas cores favoritas — vermelho ou rosa.





— Não, na verdade, eu — Fez uma breve pausa enquanto passava uma das mangas do casaco. Quase derrubou o aparelho ao chão, mas conseguiu segurá-lo antes do desastre. — Eu não cheguei a pensar nisso. Acho que não é tão importante sabendo que finalmente posso viajar pelo mundo todo.





Assim que se vestiu, se posou diante do majestoso espelho vertical acoplado ao roupeiro. A pele clara e os olhos azuis não eram os únicos destaques, bem como os seus médio-longos cabelos castanhos soltos em duas volumosas mechas frontais. Rodopiou de maneira graciosa e, por que não, emponderada? — se sentiu, inclusive, mais revigorada pela falsa sensação de que havia crescido um bocado graças às botas pretas de cano curto (porque detestava a palavra “coturno”, não combinava com o estilo que elas sustentavam). Além do mais, a camisa de seda, branca — sem mangas longas uma vez que se sentiria abafada de calor — se mostrou competente a par de um shortinho jeans-preto sustentado por uma fivela contemporânea, tão brilhante quanto o lustre de seus calçados. Claro que a mãe ou o pai iriam invocar com o comprimento de suas peças, mas deixou de pensar nisso por um momento.





— Eu já tenho catorze anos, menina! — Exclamou, tão animada quanto competente à faixa etária que, por sinal, não era um fator tão convincente ou decisivo para uma viagem ao redor do globo. — Demorou um pouco, mas finalmente eles confiam em mim para isso. Claro, com a desculpa de ter o meu primeiro Pokémon. É. Fazer o quê? — Não sustentou a mesma euforia à medida que relembrou das camuflagens que contornou para que realizasse o seu sonho primordial.





Ainda tinha que separar seu estojo de maquiagem e catalogar a melhor seleção de bolsas, ao menos a primeira, para o próximo acontecimento. Mesmo que não soubesse ou relembrasse do trajeto até o Laboratório do Professor Carvalho, não custaria nada refrescar a memória com mais uma explicação de seus pais — que, com certeza, o fariam. Não era muito exigente quanto a esse quesito, desde que sempre andasse segura com dois tipos de gloss, um batom que não ostentasse de cores muito fortes e um delineador para ocasiões festivas ou especiais.





— Bem, poderia ser pior, não? — Se agachou perante o roupeiro. — Imagina ter que ir com o meu irmão? Pelo amor!





Tratou também de abrir outra gaveta, a fim de encontrar um dos presentes herdados através de gerações — um quimono (também vermelho, surpreendentemente) florido e de um tecido tão macio que a mocinha se pegou o acariciando pelo prazer de senti-lo de forma gradativa. Logo em baixo, seus conservados e desconfortáveis tamancos de madeira. Se era para honrar a tradição em algum evento que fizesse jus à vestimenta, teria que ser cem por cento.





— May! — Outra voz ressoou como um doce chamado ao ambiente. — Cheguei!





— Aqui em cima! — Exclamou de volta, na mesma ênfase generosa que costumava tratar a sua figura materna. Além de que combinavam uma com a outra (não tanto como o seu pai), seria o momento ideal para que recebesse alguns toques de moda para futuras consultas. Ou, no pior dos casos (que a rendeu uma feição ligeiramente desconfortada), seria julgada pela forma atual.





Por fim, se despediu da companheira na ligação e checou as horas. Ainda restava alguns preciosos minutos para que se dirigisse ao laboratório, considerando que não deveria ser muito longe, mas nunca pensou que cogitava estar ansiosa para esse tipo de programa. Quase se esqueceu, inclusive, que tinha que separar alguns pares de brincos que, longe de desnecessários, eram primordiais para qualquer garota, em sua concepção extremamente madura de uma oficial adolescente de apenas quatorze anos.






https://www.youtube.com/watch?v=M1aloTs2ARk





https://open.spotify.com/track/1jd7mzUMbY6N3A9YKGDgAG?si=7e8ab7c7652a4f4c




— A fila daquele supermercado estava de — Assim que adentrou a porta outrora encostada, a mulher se surpreendeu com o deslumbre que visualizou logo à frente. Além disso, pôde contemplar a fragrância doce e exagerada que reconhecia bem como o perfume que havia presenteado a sua filha. — Uau. Tem certeza de que é só uma visita ao laboratório, May?





Apesar do tom bem-humorado e o olhar surpreso, a cisma de que se aquilo tudo realmente era necessário persuadiu os sentimentos da mãe. Mesmo que não precisasse dizer nada, sua feição um tanto preocupada com tantos adornos e deleites que, claro que não podia negar, a tornavam uma belíssima garota. Tinha dado conta, sim, de que sua pequena menininha havia crescido, entretanto ainda não se considerava segura para afirmar que permitiria tanta vaidade.





— O que achou? — Seguida de um sorriso, May rodopiou mais uma vez, exclusivamente para a mulher ao seu lado.





— Acho que você vai parar o trânsito lá fora. — Riu de leve, ainda um bocado transtornada. — Tem certeza de que precisa de tudo isso, minha filha?





— Ah, mãe — A garota bufou em negativa, assim que se sentou em um dos pufes ao canto do quarto. — Pensei que a gente já tinha conversado sobre isso!





Normalmente, a senhora recusaria ou assumiria várias entrelinhas para contornar a situação. No entanto, ao decorrer de uma especialidade que se resumia à obtenção do primeiro Pokémon inicial de sua filha, optou apenas por figurar um semblante conformado com a extravagância da personalidade que tanto reconhecia, bem como temia por, talvez, ter sido mimada com uma dosagem exagerada sobre o senso comum.





— Tá certo, tá certo. — Se deu por vencida. — Ao menos, vai usar a bandana que o seu pai te deu? — Apontou ao lenço depositado sobre a cabeceira.





— Claro. — Sorriu, terna. — A senhora pode fazer isso pra mim?





Não era mais a filhinha da mamãe e do papai, mas a mulher nunca desejou tanto que pudesse retornar a esta época. Tamanha seria a indelicadeza se não o aceitasse; o segurou e admirou um pouco da seda escolhida pelo marido. A cor, claro, preferida da menina e uma estampa de uma Pokébola — apesar da falta de vontade nítida por parte dela sobre tal assunto. Ainda assim, custava a remoer um súbito e estranho sentimento de despedida. Estava apenas indo encontrar o professor Carvalho e voltaria em pouco tempo, não era o definitivo início de sua jornada.





— Como quer que eu amarre? — Estendeu o tecido em suas mãos, por trás da cabeça de May.





— Hm, que tal como uma faixa? Com um laço na frente. — Imaginou, com as mãos, a forma do nó em sua testa. Desprendeu parte de algumas franjas para que ficassem soltas após a ajuda da mãe.





Não questionou a forma como gostaria, até porque teria infinitas opções que não apenas embelezariam o seu visual como reforçariam o fato de que era uma treinadora Pokémon, por mais sutil que fosse. O motivo da faixa, bem reconhecia através de uma singela vontade de rir, era para camuflar uma espinha em sua testa que, aparentemente, nem mesmo um tanto de base facial ajudou a corrigir o problema de escalas catastróficas.





Não era o momento para que dissesse coisas que a adolescente estava cansada de ouvir, como o cuidado que deveria ter assim que deixasse o seu próprio lar. Mesmo que confiasse o suficiente para permitir que sua filha conhecesse o mundo ao lado de seus Pokémon, tinha total ciência de que o seu desinteresse pelas criaturinhas poderia gerar mais conflitos do que situações proveitosas. Esperava, de fato, que este empecilho fosse administrado com cautela com o passar do tempo.





— Aqui está. — Assim que fortificou o laço, ajeitou as franjas da menina. — Que tal? — Por fim, a encaminhou de volta ao espelho.





— Ficou perfeito! — Tão logo, depositou um selinho na bochecha da mãe. — Obrigada, mãe. Eu ficaria umas duas horas tentando decidir de qual jeito deixar.





— Bem, acho que é isso, então. — Suspirou, satisfeita, com as mãos na cintura. — Não vai querer se atrasar, não é mesmo, mocinha?





— Com certeza, não. — Agarrou o celular do bolso. O horário previsto de saída veio a calhar quando faltavam apenas dois minutos para o planejado. — Acho melhor eu ir andando.





— Tem certeza de que sabe o caminho? — A seguiu assim que deixou a porta do quarto. — Se quiser, o seu irmão pode ir com você e—





— Nem pensar! — Exaltou alguns oitavos mais altos do que era esperado. — Quer dizer, eu conheço o caminho, mãe. Não precisa se preocupar, tá legal?





— Hm, tá. Tá bom. — Riu de leve. Logo, o semblante se tornou repreensivo e cauteloso. — Não hesite em ligar para cá caso aconteça qualquer coisa, hein?





— Mãe! São só umas, umas — Como não sabia o trajeto com total certeza, sua feição ansiosa tratou de corrigir o número de quarteirões que sequer tinha noção. — É logo ali. Eu não vou me meter em nenhuma confusão, além disso.





Assim que chegaram ao primeiro andar, a mulher se certificou de que a menina não estava se esquecendo de nada ou, no pior dos casos, se ainda tinha todos os números de emergência memorizados ou salvos em seu celular. May nunca se sentiu tão aliviada assim que abriu a porta que lhe trouxe uma reconfortante e úmida brisa da manhã.





— Alguma ideia de que Pokémon inicial vai escolher, May?





— Na verdade, não. — Encarou a mulher e, em seguida, a paisagem ao exterior. — O que for mais bonitinho, talvez? Eu preciso me simpatizar com ele, não foi o que a senhora me disse?





— Sim. Claro. — Sorriu. — Espero que escolha com o coração aberto, viu?





— Pode deixar. — Correspondeu o gesto. — Ah! A que horas o papai volta pra casa?





— Acredito que estará aqui no horário do almo- daqui a pouco, na verdade. Por quê?





— Hã, daqui a pouco? Que estranho, geralmente ele só aparece na hora do almoço. — Concedeu, respectivamente, uma expressão pensativa e outra gentil. — Bem, até depois, mãe!













Em uma sala arejada o suficiente, uma mesa — larga e extensa o bastante para que surpreendesse e intimidasse aos de primeira viagem — compartilhava espaço com uma penca de livros. Muitos deles continham marcadores no início, meio e quase final, outros eram tratados com prioridades com selos de urgência. Além disso, aos arredores, havia, pelo menos, dez estantes divididas aos lados esquerdo e direito.





Na cadeira reclinada e inquieta, um velho senhor analisava umas anotações com base em um livro aberto ao seu lado. Reforçou os óculos de leitura os pressionando para ao encontro de seu nariz. As linhas de expressão se fizeram extremamente marcantes quando esboçou um tênue sorriso ao que gostaria de ter encontrado de relevância para a contribuição em suas notas. Em seguida, pousou um dos cotovelos sobre a bancada e reclinou-se, com um suspiro, enquanto a outra mão acariciou os cabelos grisalhos e macios. A expressão súbita de surpresa pareceu que deveria ter se lembrado de algo há bem mais tempo do que o atual.





— Hm, vejamos — Após muito custo, retirou um bilhete amassado de um dos bolsos de seu eterno jaleco. — O que temos para hoje?





Com as mãos ligeiramente trêmulas para um pedaço de papel tão pequeno, se praguejou por ter sido o autor de uma benfeitoria tão complicada para si mesmo. Ao menos, a caligrafia estava legível o suficiente para que se relembrasse de seus compromissos.





— Ash Ketchum. May Mapple. Hm — Esboçou um pequeno sorriso. — É. Parece que hoje será um dia e tanto. Melhor me preparar para — Assim que se levantou, se imobilizou por frações de segundo. — ... A que horas eles viriam mesmo?













E assim, encerra-se o nosso capítulo de hoje. Com a mesma premissa para dois futuros treinadores de Pokémon extremamente diferentes, o encontro inicial no Laboratório do Professor Carvalho se faz mais do que presente. Não se trata apenas de uma escolha entre três Pokémon para seguirem os próprios trajetos e sim de um novo amigo para o resto de suas vidas. Que a escolha de cada um, além de consciente, faça com que valha cada segundo ao lado de suas vitórias e derrotas.









E A JORNADA CONTINUA...

PUBLICAÇÃO ORIGINAL EM 11/12/2019.
EDITADA EM 06/10/2021.

Comentários

Postagens mais visitadas