Capítulo I | Além (2021)






A exuberância da primavera, da estridulência do verão, da ternura do outono e da periclitância do inverno. O significado de tracejar o mesmo ciclo, ano após ano, compreendia além das sazões.





A trajetória de Kousei Arima — até então emponderado pela sub alcunha de prodígio musical e assemelhado a um metrônomo humano — anteriormente indefinida e deslocada através de uma rígida penalidade pelos sentimentos petrificados em razão de sua finada mãe, agora precisa lidar com a penitência de não poder mais almejar o eufônico contraste das cordas de um violino.





No entanto, o progresso de sua história não se limitou apenas ao pretérito. O reflexo de seu destino sorriu àquela que indispensavelmente o aceitou — faça chuva, faça sol —, Tsubaki Sawabe.





Bem como a música, tinha consciência de que não atingiria a perfeição por toda a sua vida. A prática, por sua vez, rege que o esmero e a determinação do praticante possam frutificar os futuros resultados — imprescindível para com o carinho da partitura transcender-se para a música. Além do mais, definiria como uma lição duradoura para até o seu último suspiro.





Graças a ela.





AVISO

Para mais detalhes do que se trata este e futuros capítulos, direcione-se à seção Além, aqui, no topo ou no rodapé desta página.

O PAPO FOI DADO












Tsubaki nunca reclamou da agradabilidade costumeira do distrito de Nerima — apesar de que sua feição desconfortável premeditava o possível atraso por um mero descaso no caminho — e, quando possível, não media esforços para admirar o desabrochar elegante das flores de cerejeira enfileiradas do começo ao final da rua. Em muitas ocasiões, encontrava a calçada preenchida de tantas pétalas após a súbita benevolência das brisas matinais que enfeitavam não apenas ali, bem como o bairro inteiro.





Em conjunto com o despertar das cerejeiras, a corrida da mocinha podia captar o tênue coro de melodias de uma variedade de pássaros. Infelizmente, não ostentaria de muito tempo para localizá-los e admirá-los, entretanto o canto já perseverava com boas vibrações para ela. Não tardou muito para se antenar quanto ao destino — o seu semblante um bocado arregalado se mostrou presente ao frear os passos — e, por fim, dobrou a esquina.





— Tsc. Claro que você ia errar o caminho, sua burra.





Não se fez de rogada para demonstrar tamanho descontento com sua distração, no entanto, sua feição se converteu a uma ligeira animação ao avistar uma das árvores mais notáveis do quarteirão — estava muito mais florida do que anos atrás, pode concluir. Neste meio tempo, checou se estava muito suada ou, no pior dos casos, se seu hidratante corporal e perfume ainda se destacavam em seus braços e em suas mãos — as quais, pelo involuntário intuito de correr com os punhos fechados, mantiveram-se bem quentes e umedecidas.





Após alguns instantes, chegou ao seu destino. Por mais rigorosos e impenetráveis que fossem o portão de bronze e o muro acinzentado, ainda conseguiu alguma brecha para avistar o enorme sobrado branco e — em sua humilde opinião — tão sem graça quanto devastado pelo tempo. Havia tantas quinas descascadas em sua construção que uma pequena reforma com uma nova mão de tinta eram ideias suscetíveis para Tsubaki arregaçar suas próprias mangas e investir uma parcela de seu tempo.





Sua reflexão cessou-se quando se lembrou de tocar a campainha. Arqueou um meio sorriso com o toque sinfônico e nostálgico e, por fim, escorou-se contra o muro — onde descansou um de seus pés apoiados para o seu corpo. Cogitou o envio de uma mensagem com alguma brincadeira de mau gosto, no entanto, apenas checou a gravidade de seu atraso.





— Foram apenas dez minutos. O suficiente para ele encher o meu saco. — Riu de leve. Em seguida, ao guardar o celular no bolso, pairou os olhos castanhos brilhantes no céu azulado e encerrou com um sereno suspiro.





Claro que ainda ostentava uma ponta — nada modesta — de ansiedade em reencontrá-lo. Há algum tempo que suas rotinas se contrariavam ou algum imprevisto por parte de ambos desvencilhava qualquer proposta. A solução mais conveniente para Tsubaki foi, ironicamente, se tornar uma verdadeira estudante musical — o que não era, nem um pouco, a sua praia.





Remexeu os cabelos curtos e lisos — precisava de uma contestação do estado em que se encontravam, então, retirou o celular mais uma vez do bolso e, com auxílio da câmera, se convenceu de que estavam ao seu agrado — e os repousou à altura de seu queixo, além de ajeitar aqueles que involuntariamente se desfiavam em curtas franjinhas repicadas em sua testa — a tentativa, persistente, era mantê-los divididos de maneira uniforme.





— Mas — Não fazia muito tempo que havia tocado a campainha, mas o suficiente para a jovem Sawabe quase revelar uma expressão desgostosa. — Que bela ironia, hein, Kousei?





Era bem provável de que havia derrubado ao menos uma estante de livros ao chamado, o que a rendeu ao mínimo um semblante divertido. Embora fosse tão metódico, a organização e a disciplina não eram tão regradas em seu comportamento como podia relembrar. Por conta disto, não tardou muito para o rapaz vir de encontro ao portão, às pressas e massageando uma região da cabeça.





— Não podia demorar mais, não? — Ironizou.





— Pensando bem, eu poderia ter enrolado uns, hm, quem sabe — Esbanjou de uma expressão pensativa. — Dez minutos, talvez.





Se tinha uma coisa que Tsubaki ainda era derrotada por Kousei, era no intenso uso de figuras de linguagem. A ironia certeira serviria de algum lapso de culpa ou arrependimento, contudo, a garota não baixou a guarda pelo senso de humor duvidoso e atiçado de seu parceiro.





— Ah, é? — Apoiou as mãos na cintura. — Ok. Que bom que eu sempre trago o meu taco de beisebol para resolvermos isso de um jeito ou de outro.





A feição de Kousei testemunhou uma súbita palidez, o que remediou seu comportamento para algo mais generoso e, claro, objetivo.





— De-Desculpa, é que eu estava arrumando umas coisas aqui antes de — Enfatizou a dor em sua nuca ao apertá-la. — Bem, antes de te receber.





— Estava brincando com você. Bobão! — Riu de forma descontraída.





— É que a sua força não é uma brincadeira, às vezes você se esquece disso. — O rapaz também riu, um tanto agradecido e aliviado após um suspiro.





— Eu sei me controlar, tá bom? — Sem mais, entregou o seu blazer às mãos de Kousei.





Enquanto caminhavam até a porta principal, o jovem Arima tentava, a todo custo, dobrar a vestimenta da menina de uma maneira menos embaraçosa. Talvez um subterfúgio para apreciar, voluntariamente, o indiscreto e adocicado aroma perfumado de Tsubaki. Além disso, buscava tantas semelhanças de seu blazer ao recluso e abandonado uniforme escolar do ensino médio que quase cometeu o engano de dizer que eram o mesmo.





Fragrância esta que também percorria o corpo de Sawabe. Não nutria o hábito de ser observador, todavia, teve que recompor suas lentes no recosto de seu nariz ao visualizar a presença radiante ao seu lado. Provável de que havia algo especial ou, até mesmo, o intervalo de tempo desregulado que o capacitou de se maravilhar com detalhes que, até então, passou a buscar com certo encanto.





— O que foi? — Tsubaki percebeu a constante observação e com um semblante um ligeiro estranhado, questionou e parou em frente a ele.





— Hã? Ah, nada, é só que — As bochechas do rapazinho ruborizaram-se instantaneamente. — Você está bonita.





— Estou? — De imediato, Tsubaki esconde uma das mãos sob seus cabelos enquanto os amacia, em conjunto com sua feminilidade que transpôs as pernas em um gesto elegante e, por que não, sensual?





O sorriso da mocinha soou como um agradecimento às palavras do pianista. Mesmo que seu título de “garotinha do beisebol” perseverasse sobre a sua personalidade desenfreadamente agressiva, seu sentimentalismo contracenava com seu instinto feminino — o que, a princípio, decorreu de evolução no passar do tempo especialmente em seus modos de agir e vestir.





Casada à estação, optou por cores quentes e tecidos leves. Além do blazer — talvez o único diferencial descabido pela cor acinzentada — uma blusinha por dentro, do estilo regata, branca — que, por ser composta do levíssimo musseline, denotava certa transparência que (felizmente, quem sabe) reslumbrava parte de seu sutiã — com um discreto decote e estampada com alguns lírios em tons lilases.





Agregado a isso, um shortinho alaranjado, na pegada clochard, o que realçava um tanto de sua cintura — a qual podia se orgulhar por mérito genético ou de seu esforço esportivo para o seu corpo no geral. Por fim, um par de tênis — os velhos, porém, conservados All Star — contrasteados entre o vermelho e branco em conforto com um par de meias brancas.





A única coisa que servia de contragosto para Kousei era o volume de pulseirinhas no braço direito da menina. De acordo com ela, muitas havia tantos significados, enquanto outras eram apenas pelo conceito de acessórios ou foram presenteadas.





— Muito bonita, na verdade. — Sorriu, um bocado desconfortável. — E- Enfim, vamos entrar? Já perdemos quase vinte minutos aqui e—





De forma inevitável, o toque dos dedos de Tsubaki trouxeram delicadamente a face de seu companheiro até o primeiro beijo do dia — ou, de acordo com a sua sede apaixonada pela próspera reaproximação, o primeiro após uma eternidade. À medida que seus lábios se conectam e suas línguas se entrelaçam, ambos fecham os olhos de maneira gradativa aos embalos dos braços ao corpo do outro — ainda que Kousei fosse um bocado mais travado e mecânico nestas formalidades.





O que era inegável para Arima era a forma mais reconfortante e saudável possível de contatar uma saudação de bom dia à sua parceira. No entanto, poderia revezar o conceito algumas vezes, sendo ele o principal a tomar a iniciativa. Estudaria a possibilidade de abandonar seus trejeitos introvertidos — especialmente para a sua namorada.





Tardaram poucos segundos para se desvencilharem do gesto, o que não abandonou, de prontidão, o abraço que os envolvia. O tempo necessário para Tsubaki reavaliar o penteado espatifado das franjas escuras de seu amado foi mais do que suficiente para analisá-lo e reimaginá-lo com a mescla de sua contraparte de aproximadamente três anos atrás — da mesma forma que Kousei a admirava com o respeito e a incredulidade pela mulher que havia se tornado.





Era nos mínimos detalhes que a moça se concentrava, como, por exemplo, na barba recém-feita — com um cortezinho ou outro no queixo — que jamais imaginou que Kousei teria ou permitiria crescer. Os óculos, por sinal, bem reconhecia a armação gasta e com partes das hastes enferrujadas, o que não deixava as lentes levemente riscadas e embaçadas para trás. A intrigava a determinação em mantê-los, apesar de que tinha noção do motivo.





Normalmente, o descaso em seu penteado se fazia comum para os dois — ainda mais quando ela o repreendia por sequer considerar um espelho ao amanhecer o dia, especialmente em uma chamada de vídeo — mas Tsubaki estava tão acomodada quanto realizada em bagunçar (ainda mais) aqueles curtos e rebeldes cabelos negros.





Foi na forma de vestir que Arima se manteve consolidado às raízes de seu passado. Sempre optou por uma camiseta estampada, o melhor refúgio para ostentar seu favoritismo por alguma grife, banda musical ou algum desenho animado. O que a jovem Sawabe bem observou foi que, em especial para esta manhã, o rapazinho trajava a estampa do Chunichi Dragons que, convenientemente, era o seu time de beisebol favorito.





De resto, uma larga e favorável calça esportiva — o que também soava contraditório para a sua personalidade — de brim cobria até mesmo as suas meias brancas provavelmente encardidas por caminharem descalças pelo piso empoeirado da área e das folhas e ciscos do jardim. O ponto era que, nem de longe, aparentava ser um profissional do ramo da música, se não fosse por sua alcunha tão renomada.





— Vem. Vamos entrar. — Kousei concedeu um sorriso antes de se soltarem. Adiante, tomou a liberdade de segurá-la pela mão a fim de conduzir o caminho. Não era necessário, mas Tsubaki não desaprovou.





— Claro, eu tô muito ansiosa para a minha aula. — A ênfase forçada e ligeiramente arrependida da menina rendeu boas gargalhadas para o rapaz.





Apesar de que a moça ainda podia sentir um bocado de solidão e de frieza no primeiro cômodo que adentrou, também pode observar o esforço de Kousei em reverter a situação. Tanto que o musicista se deparou observando-a captar os detalhes da sala de estar e consolidou um semblante contente com as cortinas, enfim, abertas e com as janelas abertas, além do cuidado com um vaso de onze-horas que aparentava estar muito bem cuidado sobre um balcão de madeira envernizada.





— Está melhor do que a última vez, não é? — Convenceu-se com um meio sorriso em direção à Tsubaki.





— Diria até que um ser humano mora aqui. — Caçoou, sem risadas, apenas com um olhar sorrateiro e perverso. Antes de progredir com outro comentário sarcástico, observou a colocação harmônica das almofadas sobre os sofás e a mesinha de centro com ornamentos lustrosos e bem alinhados.





Quase questionou a respeito do pai de Arima, mas dada a ausência de um par de chinelos próximo da mesa e de um jornal dobrado sobre o sofá, já obtivera a sua resposta. Não se sentiria confortável com a resposta, independente de qual fosse. Por mais que se esforçasse em transparecer segurança ou indiferença a respeito, a ausência — para não cometer a atrocidade de mencionar a negligência — da figura paterna nos últimos anos foi um empecilho bem grande para a vida de seu companheiro.





— Então — Procurou desviar seus pensamentos com qualquer outra coisa à disposição. — Como vai a agenda? Muitos alunos, eu acho, né?





— Nos sábados e domingos, tenho apenas uma aluna. Dá pra acreditar? — Realçou com as sobrancelhas arqueadas.





— Ao menos ela deve se sentir especial por isso. — Se relaxou ao confortar-se em um dos sofás. — Ah, desculpa. A gente não ia ficar aqui, não é?





Apesar de não constar nos planos, Kousei resolveu passar um café enquanto Tsubaki descansava os pés — que, inclusive, se desculpou uma dezena de vezes por adentrar calçada à residência — antes do início das aulas. Um contratempo agradável que serviu para o rapaz se atualizar da atual carreira como aspirante a médica veterinária — o que, na verdade, era apenas um estágio de sua faculdade — e de como o esporte ainda não havia se ofuscado das premissas da menina.





Em contrapartida, Tsubaki foi recheada de contento ao perceber que seu amado não apenas conversava sobre música, mas também deixava-se mergulhar no assunto com convicção e paixão, por mais que ela não correspondesse na mesma entonação — não por desinteresse e sim por falta de conhecimento na área. Eram minúsculos detalhes que engrandeciam o diálogo por parte do rapaz, o qual gesticulava com as mãos, com as sobrancelhas e com diversas expressões para narrar algum acontecimento envolvendo o seu inseparável Steinway & Sons.





— Enfim, podemos ir agora, certo? — Sugeriu o pianista. Conseguiu arrancar uma expressão de desacordo da menina. — Tsubaki. Não é tão difícil assim, vai. Você vai se divertir com isso, pode acreditar. — Por fim, sorriu.





— Ah, mas é que — Franziu o cenho e contraiu os lábios. — Eu não levo jeito para essas coisas!





— Ué, então — Consistiu o silêncio em uma breve pausa. Tempo o suficiente para se aproximar da moça sentada. — Por que disse que queria ter aulas comigo?





A indagação de Kousei não soou com malícia, nem com despretensão, muito menos com incredulidade ou algo do tipo. Baseada em tanta humildade nas palavras que a saída de Tsubaki foi revelar o motivo verdadeiro por trás da ideia, outrora, considerada genial.





— Bem, é que- na verdade, eu — O encarou com precisão, embora revelasse o seu semblante desconcertado. — Foi a única forma que eu encontrei de ficarmos mais tempo juntos.





O rapaz não respondeu, a princípio, nem mesmo se quisesse. O que quer que dissesse entalou na ponta da língua com o peso da cruel verdade depositada nas palavras de sua namorada. Desde aproximados dois anos, o contato entre ambos se estabeleceu apenas virtualmente e, em eventuais e raras ocasiões, podiam se relembrar de como eram ao vivo e a cores.





— Eu quero aprender, mas — Continuou a menina. — Ainda temos muito tempo sobrando e, bem- você me entendeu, eu acho!





Chegou à conclusão após ajeitar novamente os seus óculos em seu rosto — claro que necessitaria do consentimento da mocinha, mas sua feição satisfeita tinha quase total certeza de que seria um ótimo planejamento.





— Eu tenho uma ideia.









Sob a concordância da esportista, se dirigiram ao quarto musical — ao menos, soava mais interessante do que sala de aula, para Kousei — com a premissa de que Tsubaki tocasse ao menos uma música. O desafio foi conveniente de acordo com a facilitação que o instrutor a guiaria a todo instante, então, após estes reles minutos, teriam o restante do dia para aproveitar como bem entenderem.





O rapaz logo tratou de abrir as persianas, o que fez com que os reflexos dos aconchegantes raios solares da manhã não apenas invadissem o recinto, assim como também revelassem a superfície levemente empoeirada do majestoso piano que ocupava ao menos um terço do recinto. O logotipo folheado a ouro da marca Steinway & Sons nunca foi refletido com tanta força aos olhos de Tsubaki como em outro momento.





Enquanto o pianista ajeitava a banqueta e outros detalhes em uma mesinha muito bem planejada um pouco ao lado do instrumento, mais próxima da janela, a menina passava a mão por um combo de estantes instalado na parede. Podia absorver a essência de cada item contido ali — seja os inúmeros troféus de inúmeras categorias que havia sido concebido ao metrônomo humano, como gostava de referi-lo, além dos porta-retratos onde seu envergonhado e infantil sorriso posava para as fotos ao lado de outras entidades da música.





Suspirou agradavelmente ao repousar os olhos sobre uma fotografia em específico. Ao lado do carinho da mãe, o pequenino de olhos azuis esbugalhados e com um par de óculos — que realmente foram feitos sob medida para a sua idade atual, e não há dez anos — desequilibrado em seu rosto havia sido flagrado pela câmera no justo instante que esbanjava de uma gostosa risada.





Além disso, uma pilha de caixas se concentrava ao canto mais obscuro do ambiente. Ainda havia algumas coisas sendo organizadas, de acordo com ele, como alguns discos de vinil que estava desempoeirando e algumas partituras velhas que necessitava urgentemente de uma cópia nova, além de descartar outras. Uma, em particular, pode ter chamado a atenção da jovem Sawabe, por se especificar tão lacrada perto das demais. Se estava tão isolada, talvez tivesse a prioridade de conservar o conteúdo dela antes das demais. De qualquer maneira, não questionou.





— Prontinho. — Kousei sorriu após mostrar-se orgulhoso com o posicionamento da partitura no piano. — Vamos começar?





— Ah. Claro. — Correspondeu o gesto. Encarou o desengonçado instrumento à sua frente com um bocado de receio, mas estava mais segura do que imaginava à tal altura do campeonato. — Não me deixa fazer nenhuma burrada, tá bom?





Apesar de que o termo “desengonçado” foi erroneamente mencionado por ela, afinal, o julgava como um instrumento musical muito elegante para quem o dominava. Para tanto que o abominou de acordo com as mãos que o experimentariam — se o assunto fosse as mil e uma maneiras de se realizar um home run perfeito, poderia enumerá-las de acordo com a estratégia abordada para cada uma delas.





Delicada e um bocado ansiosa, se sentou na banqueta macia e espaçosa providenciada pelo Arima, correção, Professor Arima. Simultâneo a isso, Kousei se junta ao lado e a encara com um sorriso encorajador. O nervosismo perceptível pela parte da garota escorava-se nos gestos inquietos enquanto se ajeitava no assento, no tamborilar incessante dos dedos contra a almofada da banqueta e no olhar concentrado a tantos pontos sem um foco específico.





— Ei. — Subitamente, a voz de Kousei a chamou a atenção. — Fica tranquila, ok? Inspira. Expira. Devagar.





Sem pestanejar, a menina cumpriu com o objetivo. As primeiras inspirações soaram pesarosas e quase inviáveis, o que involuntariamente desencadeou a sôfrega lembrança de como seu parceiro enfrentava à força de tocar sem a compreensão de ouvir e sentir o que era transmitido. Aos poucos, tranquilizou a respiração a ponto de não ouvir mais os seus próprios fungados.





— Isso. — Sorriu. — Agora, me dê a sua mão direita.





Sendo assim, com auxílio do suave toque da sua mão, Kousei ajeita o primeiro dedilhado de Tsubaki sobre as teclas. Detalhes como a leitura da partitura e como a composição de uma música é realizada poderiam ficar para mais tarde, uma vez que ela se sentiria muito orgulhosa e realizada por ministrar uma canção — mesmo que sob o seu comando.










https://www.youtube.com/watch?v=vVbzX6xLva8




Brilha. Brilha. Estrelinha.




Vagarosos,





Quero ver. Você brilhar.




os primeiros toques





Lá. No alto. Lá. No céu.




de Tsubaki





Num. Desenho. De cordel.




consolidam





Brilha. Brilha. Estrelinha. Baila. Linda bailarina.




suas primeiras notações musicais.





Assim que finalizado, Kousei repousa sua mão sobre a de sua parceira e a aperta um bocado, além de que manteve o olhar felicitado à expressão ligeiramente trêmula da moça.





— Viu só? Não é tão difícil quanto parecia.





Até então, Tsubaki percebeu que havia finalizado sem qualquer repudia ou desprazer pelo que praticou. Mesmo com a extrema ajuda de Arima, se sentiu lisonjeada em corresponder a cada toque nas teclas do piano e, obviamente, por ser correspondida.





— Sério?! — Alarga um grandioso sorriso em seu rosto. — Eu consegui! Caramba, eu consegui!





Sem permissão ou discrição, o beijou com tamanha determinação. Kousei pode sentir, através do gesto, que havia expurgado qualquer medo ou sentimento contrário que amaldiçoava os primeiros dedilhados confusos de sua parceira. Estava, de fato, realizada com o passo que concedera em relação ao piano. É provável de que ninguém mais do que ele compreenderia esse sentimento.





— Agora — Em uma pausa para o fôlego do rapaz, inquire com um tom motivacional. — Como você foi uma excelente aluna, podemos sair um pouquinho, o que me diz?





— Sim!





De imediato, Tsubaki abandonou a banqueta e deixou o recinto, na esperança de visitar tantos lugares que mal conseguia ditar todos, além da expectativa dos planos para o final de semana inteiro e, sem modéstia, se ofereceu como hóspede pelos próximos dias na casa de Arima para praticarem mais alguma música — desde que fosse fácil, isso foi bem salientado.





— Mal posso esperar para contar para as minhas amigas do estágio que sou uma verdadeira pianista! — A voz abafada de Tsubaki acompanhou o roçar das chaves e o abrir da porta da sala de estar.





Kousei acabou por rir sozinho, de tamanha surpresa pelo alvoroço proporcionado em tão poucos segundos. Sem mais, se levantou e ajeitou o descanso das teclas cuidadosamente. No entanto, antes de abandonar o quarto, entreviu uma caixa abandonada dentre as demais que tanto se esforçou para realocar o conteúdo delas.





Retirou o lacre com ajuda de um estilete e não precisou de muito esforço para encontrar o que desejava, apesar de tossir um bocado pelo forte odor de algum papel mofado ou guardado por um intervalo perdido no tempo. Com isso, fechou a tampa do piano e, com ternura, posicionou um porta-retratos.





Finalmente, cogitou que deveria ir de encontro de Tsubaki, antes que fosse arremessado para fora de casa se tardasse mais algum minuto. Em sua última encarada ao recinto — tão iluminado e diferente do que costumava ser, seus olhos se sentiram reconfortados ao pairarem sobre a fotografia.





A sua expressão não condizia como uma das melhores para um enquadramento, porém achou uma singela graça em seu desajeito e sua contrariedade ao lado fotogênico. Além disso, acompanhado da enérgica — até mesmo em um quadro estático — Tsubaki Sawabe e do simpático Ryota Watari, não mediam esforços para esboçarem uma consolidada amizade.





Por fim, o azul de suas íris teve mais credibilidade ao resplandecer com mais estridência do que o habitual. Considerava até irônico aquele sorriso tão empático e uma personalidade tão cativante ao ângulo da câmera. Sem dúvidas, era uma teimosa, com um temperamento explosivo, um alvoroço desamparado por qualquer coisa e um senso de deselegância tão estridente quanto a força de seus punhos.





Mas que, ainda assim, não conseguia enxergá-la de outra forma. Era capaz de enumerar a lista de defeitos que aquela figura conseguia expor, no entanto, estaria mentindo se dissesse que não a amava assim mesmo.





Deixou a sala, com um ar de agradecimento remexido com uma frustração perceptível percorrendo a sua feição nostálgica.





Um milhão de vezes, afinal, não eram o suficiente para a dor do inevitável. Contudo, se teve a possibilidade de se reerguer e proceder com a sua vida,





foi graças a ela.









TO BE CONTINUED

PUBLICAÇÃO ORIGINAL EM 17/04/2021

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas